sexta-feira, 13 de setembro de 2024

FERNANDA YOUNG

Antonio Carlos Egypto

 


FERNANDA YOUNG – FOGE-ME AO CONTROLE, documentário brasileiro de Susanna Lira, de 2024, é um belo ensaio poético sobre o trabalho e a personalidade da escritora, roteirista e apresentadora de TV, Fernanda Young (1970 – 2019).  O filme realiza um vínculo muito bonito entre as muitas frases dos livros que ela escreveu, com as imagens de arquivo ou selecionadas para o caso: entrevistas, depoimentos, fotografias, filmagens em vídeo, muito material, revelando a extensa pesquisa que foi feita.  A costura poética que o filme faz de tudo isso é fascinante, mesmo para quem não acompanhou ou conheceu bem a obra da escritora, para além do seriado de sucesso “Os Normais” e alguma coisa mais, como é o meu caso.  Um trabalho de montagem primoroso, a cargo de Ítalo Rocha, produziu muita beleza, para ninguém botar defeito.  87 minutos.



 

terça-feira, 10 de setembro de 2024

BLACK TEA

Antonio Carlos Egypto

 



BLACK TEA: O AROMA DO AMOR (Black Tea).  Mauritânia, 2024.  Direção: Abderrahmane Sissako.  Elenco: Nina Mélo, Chang Han, Michael Chang, Wu Ke-Xi.  110 min.

 

Abderrahmane Sissako é o nome, quase impronunciável para nós, de um grande cineasta da Mauritânia.  Quem viu “Timbuktu”, um belíssimo filme que ele realizou em 2015, sabe do que eu estou falando.

 

Desta vez, ele nos traz uma narrativa amorosa, de encontros e desencontros, presente e passado em conflito, mas tudo com muita sutileza e suavidade, envolvendo africanos em diáspora e chineses.

 

A jovem Aya, da Costa do Marfim, decide mudar de vida após rejeitar no altar um casamento que não a faria feliz e vai viver na China, cuidando de uma loja de exportação de chá.  É lá que ela conhece e passa a admirar Cai, um chinês mais velho, que a conduz pelos meandros das famosas cerimônias do chá.  Aprendemos com ele que o chá se degusta em três goles, após sentir o aroma, no primeiro, sorvendo a atmosfera, depois, a fragrância e, por último, os sentimentos.

 

O envolvimento amoroso entre Aya e Cai vai encontrar barreiras nos preconceitos, são duas culturas distintas que precisam se conhecer bem para conviver em paz.  Isso acontece no cotidiano do trabalho no bairro africano da cidade chinesa Guangzhou, nas lojas de comércio, nos espaços públicos, nos cantos e danças mostrados com fartura no filme.  Destaque para as belas mornas de Cabo Verde.

 

Quando se está perto, convivendo lado a lado, as distâncias tendem a se dissolver e o conhecimento do outro, a alteridade, nos enriquece.  Os diferentes personagens que circulam nesse ambiente comum nos mostram que tudo pode fluir muito bem nessa diversidade, em que o respeito e o afeto se sobressaem.  Ainda assim, cada qual tem sua história, seus desejos, expectativas, frustrações e um passado que reverbera no presente.

 

É o caso de Aya, mas também de Cai, que tem uma história passada que o liga à África e a uma filha abandonada por lá.  As influências se misturam dos dois lados.  Acima das diferenças, paira a humanidade, comum a todos.  E os problemas, dos quais ninguém escapa.

 


Ao longo dessa trama, “Black Tea” nos faz conviver com os elementos constitutivos das culturas africanas e chinesas e das distinções dentro delas, também.  E, claro, das limitações que elas apresentam.  Em especial, exigindo a coragem do enfrentamento para as mulheres que quiserem conquistar seus espaços de felicidade.  A sororidade pode aparecer diante de conflitos amorosos ou familiares.

 

Tudo isso se dá num clima em que, mesmo as grandes tensões, não gerarão gritos, pancadaria, violência ou histeria.  O que os personagens vivem está mais dentro deles, expresso por poucas palavras e gestos.  Silêncios, inclusive.  O ambiente permanece, pelo menos aparentemente, calmo.

 

Destaques no elenco são os dois principais protagonistas.  Nina Mélo , que faz Aya, é uma jovem negra belíssima e de grande talento.  O seu partner chinês, Chang Han, é igualmente muito bom, no seu ritmo.  E todos os demais atores e atrizes os acompanham muito bem.

 

Há sequências muito atraentes e bem montadas, com belos enquadramentos.  A direção de arte compôs muito bem os cenários, e os figurinos, com destaque para os vestidos vermelhos, também merecem menção.  Os ambientes ajudam a criar o clima da história.  A música e a dança dão o toque necessário para essa trama que celebra a diversidade sem alarde, com discrição e sutileza.  Tal como o ritual do chá.

 


“Black Tea” é o filme inaugural da Mostra de Cinemas Africanos 2024, que ocorre no Cinesesc, em São Paulo, de 11 a 18 de setembro, apresentando 16 longa-metragens e 4 curtas da produção atual de 14 países africanos.  Em seguida, a Mostra acontecerá de 18 a 25 de setembro, em Salvador, na Bahia.



terça-feira, 3 de setembro de 2024

VALERIO ZURLINI

                            

 Antonio Carlos Egypto 




Valerio Zurlini (1926-1982) é um dos grandes cineastas do chamado período clássico do cinema italiano, as décadas de 1950-1960 e 1970, em que se destacaram nomes como Fellini, Antonioni, Visconti, Pasolini, De Sica, Rossellini.  Zurlini faz parte desse timaço de realizadores com todos os méritos.  Mas seu cinema ainda é menos conhecido do que o dos chamados grandes mestres italianos.  Por isso ganha relevância uma mostra de seus filmes, que está acontecendo de 03 a 08 de setembro de 2024, no
Centro Cultural São Paulo, sala Lima Barreto, na rua Vergueiro, 1000.

 

Valerio Zurlini fez muitos curta-metragens e apenas oito longas em sua carreira.  Seis desses oito longas estão sendo exibidos nessa mostra.  Todos grandes obras do cineasta de Bolonha, que interagia com a literatura e a pintura, em busca de compreender, de forma esteticamente elaborada, as ações e sentimentos humanos em sua desafiadora complexidade.  Contextualizando os conflitos e relacionamentos com o seu tempo e os vínculos com as batalhas, tanto da vida amorosa e familiar quanto das guerras e disputas políticas na sociedade.

 

Comecemos por VERÃO VIOLENTO (Estate Violenta), de 1959, que aborda a política fascista de Mussolini, com um elenco que inclui Eleonora Rossi Drago, Jean-Louis Trintignant, Jaqueline Sassard, Enrico Maria Salerno. 

 




A MOÇA COM A VALISE (La Ragazza con la Valigia), de 1960, um dos meus favoritos, conta com Claudia Cardinale, esplendidamente bela, Jacques Perrin e Gian Maria Volonté no elenco.  DOIS DESTINOS (Cronaca Familiare), de 1962, destaca Marcelo Mastroianni e Jacques Perrin, nos papéis de irmãos distantes com diferentes visões de mundo, em grandes desempenhos.

 

Em 1965, MULHERES NO FRONT (Le Soldatesse) fala de prostitutas convocadas para a guerra para animar os soldados e traz atrizes como Ana Karina, Marie Laforet, Lea Massari e Valeria Moriconi.

 

A PRIMEIRA NOITE DE TRANQUILIDADE (La Prima Notte di Quiete), de 1972, traz o grande Alain Delon, recém falecido, como um atrativo a mais, ao lado de Giancarlo Giannini, Lea Massari e Alida Vali.  E O DESERTO DOS TÁRTAROS (Il Deserto dei Tartari), de 1976, traz um elenco nada menos que espetacular.  Vejam só: Jacques Perrin, Vittorio Gasman, Max Von Sydow, Francisco Rabal, Giuliano Gemma, Philippe Noiret e Fernando Rey, aquartelados à espera de um ataque tártaro, que parece nunca chegar.

 

Todos esses filmes também foram lançados em DVD, há algum tempo, pela Versátil Home Video, em versões remasterizadas, muito boas, que acredito ainda se encontrem no mercado.

 

Quem não conhece bem o diretor e gosta do cinema italiano, que foi um dos melhores do mundo nessa época, não deve perder essa mostra.  Com mais uma vantagem: todas as sessões são gratuitas.