sábado, 4 de março de 2023

ENTRE MULHERES

 Antonio Carlos Egypto

 


 

ENTRE MULHERES (Women Talking).  Canadá/Estados Unidos, 2022.  Direção: Sarah Polley.  Elenco: Ben Whishaw, Jessie Buckley, Rooney Mara, Claire Foy.  105 min.

 

O filme “Entre Mulheres”, da diretora canadense Sarah Polley (de “Longe Dela”, 2008), que está indicado a dois Oscar, melhor filme e roteiro adaptado, trata de uma história abjeta que aconteceu de fato numa comunidade menonita da Bolívia, em 2005.  Essa contextualização com data, local e detalhes, não está no filme.  Ele é uma adaptação do livro Women Talking, de Miriam Toews, autora que nasceu e viveu numa comunidade menonita do Canadá até os 18 anos de idade. 

 

Os fatos ocorridos não são mostrados ou explicitados, suas consequências é que serão tratadas pelas mulheres da comunidade, após a identificação e confissão de homens da colônia, que reconheceram as agressões sexuais que já há algum tempo aconteciam por lá.  O que o filme mostra, em poucas oportunidades, são os elementos que constituem claros indícios de prova desses estupros e agressões: pijamas rasgados, sangue, dores na cabeça e no corpo, sinais de corpos amarrados e arrastados. 

 

A explicação para esses “mistérios” era atribuída a fantasmas, demônios, ataques espirituais ou à imaginação das mulheres.  Isso foi possível pelas crenças religiosas da localidade, pelos papéis tradicionalíssimos de gênero, pelo patriarcado masculino e a consequente submissão das mulheres, algumas acostumadas a apanhar, sofrer agressões físicas, sem poder reclamar.  Às mulheres não era permitido se alfabetizar.  Quando se rompe a barreira da resposta fantástica/religiosa ao que sucedia às mulheres, aí é que começa o filme.

 

As mulheres reunidas por um período de 48 horas, se não me engano, só com a presença de um homem, um professor, para que se pudesse registrar o ocorrido, têm que decidir o que fazer.  Elas resolvem votar, fazendo um X em desenhos que identificavam três opções: não fazer nada, ficar e lutar ou ir embora da comunidade.

 

O cerne de “Entre Mulheres” é a argumentação que elas vão apresentando ao longo das conversas e seus sentimentos que afloram, em torno da escolha, que deve ser unânime, para que todas a cumpram.  Ocorre que elas estão aprendendo a pensar agora.  A vida que sempre levaram as invisibilizava, sem serem ouvidas, sem qualquer poder e submetidas a uma existência comandada pelos homens, num estilo simples, rejeitando a vida moderna, vinculadas a como viveram seus ancestrais.  Sem ouvir música ou utilizar telefone e, obviamente, sem celular, que hoje estaria disponível.

 

Elas têm de pensar como conciliar essa realidade brutal com a fé e a tradição, o que envolve o possível perdão aos agressores.

 


É bom explicar, embora isso não esteja claro no filme, que essas agressões eram realizadas utilizando um spray veterinário adaptado de um produto químico para anestesiar vacas, borrifado pelas janelas, para poder drogar famílias inteiras durante o sono.  Isso evidencia o quanto essa ação masculina foi planejada e compartilhada, com cumplicidade.

 

Esses fatos acontecidos em pleno século XXI, em 2005, só foram enfrentados em 2009, quando dois homens foram pegos e confessaram os ataques a 130 vítimas.  O julgamento do caso se deu em 2011.  Nada disso também está no filme, que, aliás, não situa o caso na Bolívia, não identifica o local, supostamente o Canadá, em função do livro, mas me pareceu importante contextualizar o assunto, já que esses fatos não são conhecidos, ao menos por aqui. 

 

Aliás, a falta de contexto é uma falha do filme, assim como o timing da discussão das mulheres e sua inserção naquele momento na comunidade, que  não convence no tempo em que isso se daria.  Claro que o que importa é a discussão do assunto, não o realismo da situação, mas a sensação de que algo está faltando é inevitável.

 

Um bom elenco, quase todo feminino, inclui até Frances McDormand, num pequeno papel.  Ela aparece também como uma das produtoras do  filme.  Um assunto abominável, uma vergonha!

 

 

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