segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

NOSSA SENHORA DO NILO

Antonio Carlos Egypto

 

 


 

NOSSA SENHORA DO NILO (Notre-Dame du Nil).  Ruanda/França, 2021.  Direção: Atiq Rahimi.  Elenco: Santa Amanda Mugabekazi, Albina Sydney Kirenga, Angel Uwamahoro, Clariella Bizimana.  93 min.

 

O liceu Notre-Dame du Nil é um colégio interno católico isolado no alto de uma colina, dirigido à formação de meninas da elite ruandense (hutu ou tutsi).  Esse liceu, em 1973, testemunhou fatos que demonstram como os antagonismos da sociedade ecoam, ainda que distantes do centro urbano e numa atmosfera aparentemente de ensino e harmonia, coordenada por freiras.  Na realidade, esses fatos prenunciaram o genocídio vivido em Ruanda em 1994.  Questões de poder político se desdobram em questões étnicas, de raça e de religião.  Regimes totalitários perseguem e atingem as elites e os intelectuais.

 

É isso que o filme “Nossa Senhora do Nilo” nos mostra sem sair do ambiente do liceu, no alto da colina.  Que acaba funcionando como o microcosmo da luta fratricida de Ruanda, atingindo moças adolescentes, inocentes de tudo e ingênuas da vida.  Questões simbólicas, no entanto, podem ser vividas ali, na etnia hutu ou na etnia tutsi, quando entram em cena um desenhista/pintor que cultiva tradições ou uma bruxa com poderes relevantes.

 

Filmado numa bela locação, justamente no alto das montanhas, em Ruanda, numa escola católica que ainda mantém edifícios antigos assim situados, cria o clima ideal para o desenvolvimento da história.  O filme se baseia em um romance autobiográfico de Scholastique Mukasonga, lançado em 2012.  A autora criou uma ficção para se distanciar um pouco das vivências que teve, mas reconhece que acabou espelhando sua própria história, mais do que desejaria.

 



A direção do filme coube ao cineasta afegão, que vive na França, Atiq Rahimi (de “A Pedra da Paciência”, 2012), que não conhecia muito a situação de Ruanda, mas viu bastante similaridade das questões tratadas no livro com a realidade do Afeganistão, no mesmo período abordado.  Ele é um diretor sensível às questões sociais, aos sofrimentos das pessoas em situação de guerra e opressão, e fez um filme que reflete tudo isso num momento de vida de juventude, em que cabem também as brincadeiras, os jogos, a alegria das meninas.  Pelo menos até que a polarização étnica invada esse mundo, inapelavelmente.

 

Com uma fotografia que exalta as cores da natureza e a beleza das jovens negras do liceu e com um elenco muito vibrante, o diretor Rahimi faz um belo filme.

 

Apesar da violência e do sofrimento que retrata, “Nossa Senhora do Nilo” também nos conquista nos momentos de vitalidade e alegria que estão lá, enquanto a tristeza não vem.  E a tristeza que se impõe acentua o disparate das disputas étnicas destrutivas que se valem da morte ao diferente, visto como inimigo pela simples existência, na luta pelo poder.  Como dizia o jornalista e escritor Carlos Heitor Cony, parece que, afinal, o ser humano não deu muito certo...



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