segunda-feira, 31 de outubro de 2022

4 FILMES IMPORTANTES DA # 46 MOSTRA

              Antonio Carlos Egypto

 

 


 TRIÂNGULO DA TRISTEZA (Triangle of Sadness), vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes, traz o diretor sueco Ruben Östlund em boa forma.  Quem viu “Força Maior” e “The Square” sabe que seu trabalho é forte e polêmico.  Mexe nas feridas da sociedade capitalista dos tempos contemporâneos.  Em TRIÂNGULO DA TRISTEZA ele aumenta o tom de comédia corrosivo, em que nada fica de pé nos pilares desse sistema, que emula o charme da moda, mas no final tudo se resume ao dinheiro, literalmente falando.  Um cruzeiro de luxo para os muito ricos se sustenta em frivolidade, exibicionismo e aparência, como, por exemplo, a gastronomia, enganosa e cara, solenemente ignorada pelo comandante do navio.  Esse comandante é pouco disposto ao trabalho, alcoolista e intelectual de inclinação marxista.  Já viram aonde isso pode levar.  A terceira parte desse triângulo, que envolve uma grande tempestade e o abandono numa ilha deserta, evidenciará o terrível jogo de poder entre as diferentes classes sociais.  A luta de classes assume um caráter literal e não alivia para nenhum dos lados da contenda.  Dá para se divertir bem e não é possível deixar de pensar nisso tudo que está mostrando Ruben Östlund, com um elenco muito bom nas mãos.  Com Harris Dickinson, Charlbi Dean, Woody Harrelson, Vicki Berlim, Henrik Dorsin, Zlatko Burié.  142 min.

 



UN BEAU MATIN ou ONE FINE MORNING, de Mia Hansen-Love, a diretora francesa que nos apresentou o ótimo “A Ilha de Bergman”, na Mostra do ano passado, desta vez nos traz uma história de amor e de relações familiares.  Em especial, a sempre complicada decisão de reconhecer a impossibilidade de que o pai idoso, embora com o gabarito de ter sido um intelectual, professor de Filosofia, esteja agora sem condições de realizar tarefas muito básicas, como encontrar e abrir uma porta.  Ainda que ele seja gentil e cordato, é duro acompanhar uma via crucis por casas de repouso melhores, mais acessíveis ou mais baratas e à espera por uma de caráter público que valha a pena.  Enquanto vivencia tudo isso em relação ao pai, a jovem viúva Sandra cuida da filha, o que é uma tarefa trabalhosa, e reencontra um amigo, agora casado, com quem se envolve amorosamente.  O filme acompanha essas questões tão importantes, que ocupam o cotidiano da protagonista, com sensibilidade, delicadeza e profunda veracidade.  Trabalho bem realizado, valorizado por um elenco primoroso.  Com Léa Seydoux, Melvil Poupaud, Pascal Greggory, Nicole Garcia.  102 min.

 



BÊNÇÃO (Benediction), do Reino Unido.  Quem acompanha o trabalho do diretor inglês Terence Davies sabe do rigor e da qualidade dos seus filmes.  Geralmente embalados por uma fotografia notável e um estudo das luzes impecável.  Ele se preocupa mais com a estética da criação do que com a história contada em si.  Em BÊNÇÃO, isso não corresponde tanto a essa expectativa.  Embora o clima do filme seja o que ele tem de melhor, aqui há uma história, sim, a do poeta homossexual Siegfried Sasson, sobrevivente e francamente opositor da Primeira Guerra Mundial.  Não vê sentido em continuar servindo na guerra.  Para que não incorra na Corte Marcial, que poderia condená-lo até à morte, ele, com apoios importantes no seu extrato social, consegue ser enviado para tratamento de doença mental, num local que lhe permite viver bem, exercer sua sexualidade, encontrar apoio e parceria com um psiquiatra – e por aí vai.  O estilo é rigorosamente inglês, na caracterização de época, nas vestimentas, nas atitudes, nos hábitos e no jeito elegante de desenvolver a narrativa.  Com Jack Lowden, Simon Russel Beale, Peter Capaldi, Jeremy Irvine, Kate Phillips.  137 min.

 



SEM URSOS (Khers Nist), de Jafar Panahi, do Irã, nos remete ao cinema híbrido e inovador deste renomado diretor.  O que ele mostra, atuando no próprio filme, é o que acontece quando ele se decide a viver por um tempo numa cidade interiorana, bem provinciana, na fronteira com a Turquia.  O que poderia ser uma oportunidade de sossego e repouso se transforma numa complicação constante, dados os hábitos peculiares daquela comunidade.  O simples ato de fotografar ocasionalmente um casal prestes a se unir envolve tantas coisas que, em poucos dias, tudo se torna insuportável.  É melhor se mandar de lá, enquanto é tempo.  Os amantes terão de enfrentar fortes obstáculos que a superstição local alimenta e os jogos de poder aí envolvidos.  Documentário fortificado pela ficção?  História inteiramente inventada, ou parcialmente verdadeira?  Trama criada a partir da observação de elementos da comunidade?  Nunca saberemos.  O que é fato, imaginação, criação ou simples descrição, na verdade, não importa no cinema de Panahi.  O que vale é o seu talento para nos comunicar essa interessantíssima narrativa.  Com Jafar Panahi, Naser Hashemi, Vahid Mobaseri, Bakthian Panjel.  107 min.

 

@mostrasp

 

 

 

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