Antonio Carlos Egypto
UN BEAU MATIN ou ONE FINE MORNING, de Mia Hansen-Love,
a diretora francesa que nos apresentou o ótimo “A Ilha de Bergman”, na Mostra
do ano passado, desta vez nos traz uma história de amor e de relações
familiares. Em especial, a sempre
complicada decisão de reconhecer a impossibilidade de que o pai idoso, embora
com o gabarito de ter sido um intelectual, professor de Filosofia, esteja agora
sem condições de realizar tarefas muito básicas, como encontrar e abrir uma
porta. Ainda que ele seja gentil e
cordato, é duro acompanhar uma via crucis
por casas de repouso melhores, mais acessíveis ou mais baratas e à espera por
uma de caráter público que valha a pena.
Enquanto vivencia tudo isso em relação ao pai, a jovem viúva Sandra
cuida da filha, o que é uma tarefa trabalhosa, e reencontra um amigo, agora
casado, com quem se envolve amorosamente.
O filme acompanha essas questões tão importantes, que ocupam o cotidiano
da protagonista, com sensibilidade, delicadeza e profunda veracidade. Trabalho bem realizado, valorizado por um
elenco primoroso. Com Léa Seydoux,
Melvil Poupaud, Pascal Greggory, Nicole Garcia.
102 min.
BÊNÇÃO (Benediction), do Reino Unido.
Quem acompanha o trabalho do diretor inglês Terence Davies sabe do rigor
e da qualidade dos seus filmes.
Geralmente embalados por uma fotografia notável e um estudo das luzes
impecável. Ele se preocupa mais com a
estética da criação do que com a história contada em si. Em BÊNÇÃO,
isso não corresponde tanto a essa expectativa.
Embora o clima do filme seja o que ele tem de melhor, aqui há uma
história, sim, a do poeta homossexual Siegfried Sasson, sobrevivente e
francamente opositor da Primeira Guerra Mundial. Não vê sentido em continuar servindo na
guerra. Para que não incorra na Corte
Marcial, que poderia condená-lo até à morte, ele, com apoios importantes no seu
extrato social, consegue ser enviado para tratamento de doença mental, num
local que lhe permite viver bem, exercer sua sexualidade, encontrar apoio e
parceria com um psiquiatra – e por aí vai.
O estilo é rigorosamente inglês, na caracterização de época, nas
vestimentas, nas atitudes, nos hábitos e no jeito elegante de desenvolver a
narrativa. Com Jack Lowden, Simon Russel
Beale, Peter Capaldi, Jeremy Irvine, Kate Phillips. 137 min.
SEM URSOS (Khers
Nist), de Jafar Panahi, do Irã, nos remete ao cinema híbrido e inovador deste
renomado diretor. O que ele mostra,
atuando no próprio filme, é o que acontece quando ele se decide a viver por um
tempo numa cidade interiorana, bem provinciana, na fronteira com a
Turquia. O que poderia ser uma
oportunidade de sossego e repouso se transforma numa complicação constante,
dados os hábitos peculiares daquela comunidade.
O simples ato de fotografar ocasionalmente um casal prestes a se unir
envolve tantas coisas que, em poucos dias, tudo se torna insuportável. É melhor se mandar de lá, enquanto é
tempo. Os amantes terão de enfrentar
fortes obstáculos que a superstição local alimenta e os jogos de poder aí
envolvidos. Documentário fortificado
pela ficção? História inteiramente
inventada, ou parcialmente verdadeira?
Trama criada a partir da observação de elementos da comunidade? Nunca saberemos. O que é fato, imaginação, criação ou simples
descrição, na verdade, não importa no cinema de Panahi. O que vale é o seu talento para nos comunicar
essa interessantíssima narrativa. Com
Jafar Panahi, Naser Hashemi, Vahid Mobaseri, Bakthian Panjel. 107 min.
@mostrasp
Nenhum comentário:
Postar um comentário