Antonio Carlos Egypto
A JANGADA DE WELLES. Brasil, 2019.
Documentário. Direção: Firmino
Holanda e Petrus Cariry. 75 min.
O documentário “A Jangada de Welles” dos
cineastas cearenses Firmino Holanda e Petrus Cariry revisita a fantástica
história da vinda de Orson Welles ao Brasil para filmar “It’s All True” (É Tudo Verdade), em junho de 1942, como
parte da política de Boa Vizinhança dos Estados Unidos com a América do Sul,
nesse período da Segunda Guerra Mundial.
Orson Welles já tinha feito um ano antes um filme prá lá de polêmico,
que até hoje figura na lista dos melhores do mundo de todos os tempos: “Cidadão
Kane”. Estava filmando “Soberba”, tendo
vindo ao Brasil antes de sua finalização, também complicada.
“É Tudo Verdade” foi concebido como um
filme em episódios. Welles foi
encomendado a filmar o Carnaval no Rio, com acordo do governo brasileiro de
então, de Getúlio Vargas, que, na condição de ditador, conduzia o Estado Novo,
a quem interessava uma boa imagem do Brasil lá fora e estava em negociação com
os Estados Unidos, além de nutrir claras
simpatias pelo nazifascismo, inspirador do próprio Estado Novo. Welles não tinha especial interesse no
Carnaval até desembarcar por aqui e se encantar com o samba, seu ritmo intenso,
esse povo que dança como louco, Grande Otelo e outras coisas mais.
Outro episódio seria no México e mais um
ele concebeu para o Brasil, antes que aportasse aqui. Orson Welles soube, pela revista Time, de uma
travessia de 61 dias em jangada pelo Atlântico, realizada em novembro de 1941,
por jangadeiros que embarcaram em Fortaleza e foram ao Rio de Janeiro, ao
Catete, falar com o presidente Vargas. O
objetivo do encontro foi reivindicar direitos trabalhistas, aposentadoria para
os pescadores que, com suas jangadas, arriscavam a vida sem nenhum tipo de
vínculo ou direitos, exceto a entrega de 50% de cada pesca ao dono do barco de
que se utilizavam. A jornada dessa
travessia, realizada por Manuel Jacaré, Jerônimo, Mané Pedro e Tatá, os
jangadeiros heróicos, foi escolhido como um tema de “It’s All True”.
A tragédia da morte de Jacaré nas
filmagens do Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca, marcou para sempre o filme,
embora Welles tenha prosseguido mesmo assim.
Até em homenagem póstuma a Jacaré.
Entretanto, o filme nunca foi concluído, porque houve mudanças no
estúdio hollywoodiano, que passou a não se interessar mais pelo projeto,
considerando que teria consumido todo o dinheiro previsto, sem caminhar como se
pretendia.
A abordagem do documentário “A Jangada
de Welles”, que retoma essa história, tem como foco o cineasta em Fortaleza, na
praia de Iracema e, principalmente, nas dunas do Mucuripe. Além do registro das imagens da época,
depoimentos de colaboradores e participantes originais do trabalho do diretor
norte-americano por lá são colhidos e mostram a importância que ainda tem para
aquelas pessoas, aí incluídas parentes de Jacaré, como seu irmão, que chegou a
participar das filmagens posteriores à tragédia. Destaque para a participação de uma equipe de
apoio local ao projeto de Welles, dedicada e extremamente colaborativa, cedendo
até mesmo a câmera principal para as filmagens e uma, que acabou se perdendo no
mar. Pioneiros do cinema cearense fazem
parte desse périplo histórico.
O confronto entre as imagens daquele
período, o que se viu depois e o que se vê hoje dá a dimensão das mudanças que
transformaram tudo, mas muito pouco a vida dos humildes pescadores. O contraste gritante entre uma praia deserta
cercada por palhoças de pescadores e os imensos edifícios que ocuparam seu
lugar, expulsando os pescadores que dependem do mar para as periferias da
cidade, fala por si.
A história do cinema passa por
Fortaleza, Mucuripe, Jacaré e seus companheiros, em 1942, que acabaram por
contribuir para tornar a trajetória do gênio de Welles um embate constante e
malsucedido entre o trabalho autoral e as imposições dos estúdios. Não que Orson Welles não tenha realizado
outros importantes filmes para a história do cinema, porém, foi tudo sempre
muito difícil e complicado. Como
continua difícil e muito complicada a vida do pescador nordestino, cearense, de
Mucuripe, de todos os cantos desse Brasil.
De “É Tudo Verdade” sobraram imagens bonitas do nosso país na época, mas
quedou inconcluso. Como seguem
inconclusas as nossas buscas por desenvolvimento sustentável, justiça social,
liberdade e democracia.
Como documentários bem feitos nos aproximam no tempo. Um fazer história com categoria
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