Quais seriam os melhores filmes da 43ª. Mostra
Internacional de Cinema de São Paulo, recém encerrada? Os que foram premiados pelo Júri
Internacional que aqui esteve, os favoritos da crítica e do público? Sem dúvida, estes devem ser
considerados. Mas cada um fará sua lista
de melhores, com base em suas preferências cinematográficas, dentro daquilo que
pôde ver. Ao final deste texto, podem
conferir a minha lista de 12 preferidos.
Por que 12 e não 10 ou 20? Não
sei ao certo. Talvez porque esses 12 cubram razoavelmente bem o que mais me
impressionou e convenceu, dentre os filmes exibidos. Mas eu poderia fazer uma segunda lista de
destaques, de nível equivalente. Tinha
muita coisa boa para ver, fora o que não deu tempo de conferir.
HONEYLAND |
Entre os filmes que saíram contemplados por
esta Mostra, está “Honeyland”, vencedor do prêmio da crítica de melhor filme
internacional e prêmio do Júri Internacional como melhor documentário. É um trabalho de grande beleza plástica, que
aborda a questão do meio ambiente, da sustentabilidade e das diferenças que
experimentam as pessoas nos diversos
contextos culturais, a partir de uma figura de mulher, real e forte, que em sua
vida simples e isolada mostra saber o que quer e agir com firmeza. Belo trabalho da dupla de cineastas Ljubomir
Stefanov e Tamara Kotevska, da Macedônia do Norte.
“Aos Olhos de Ernesto” foi o preferido
nacional da crítica. É uma produção da
Casa de Cinema de Porto Alegre, que completa 30 anos de trabalhos muito
relevantes para o cinema brasileiro. Ana
Luíza Azevedo, que dirige o longa, já tem uma larga trajetória por lá, ao lado
de Jorge Furtado. Se em “Antes Que o
Mundo Acabe”, de 2010, a ótica da relação pai e filho se centrava no mundo de
um adolescente, agora o foco é a velhice de um fotógrafo que está ficando
progressivamente cego e tem de lidar com suas limitações, a viuvez e a
solidão. É um retrato sensível numa
trama bem construída, que envolve e comove, sem ser piegas. Disseca um personagem muito rico e as
relações respeitosas e espertas que ele consegue estabelecer com os
outros. Merece atenção quando chegar aos
cinemas.
“Parasita”, da Coreia do Sul, o preferido
internacional do público, até já chegou aos cinemas. Acaba de estrear e merece ser visto. A crítica do filme está aqui, no cinema com recheio, entre as matérias
dedicadas à Mostra 43, outubro de 2019.
O documentário “A Grande Muralha Verde” foi o
que conquistou o público na categoria, e com razão. O trabalho de Jared P. Scott, do Reino Unido,
com produção de Fernando Meirelles, trata de algo espetacular. Um projeto que já está acontecendo na África
e pelo qual todos devemos torcer pelo seu sucesso e apoiar como pudermos. Uma muralha de árvores e plantações que se
estende por 8 mil quilômetros, atravessando Senegal, Mali, Nigéria, Níger e
Etiópia, na região do Sahel, abaixo do Saara.
A cantora Inna Modja, ativista do Mali, percorreu toda a região para
conhecer e apoiar essa iniciativa espantosa de defesa da vida e do meio
ambiente, que já revelou enorme sucesso econômico na sofrida Etiópia, que havia
vivido episódios de fome inacreditáveis em passado recente. Vale a pena conhecer melhor isso, até para
acreditar mais no mundo e nas pessoas.
A GRANDE MURALHA VERDE |
A ficção nacional “Pacificado” e o
documentário brasileiro “Chorão: Marginal Alado”, escolhidos pelo público, eu
não consegui ver na Mostra. O prêmio Abraccine
para o filme brasileiro de novos diretores, ainda em seu primeiro longa, foi
para “Currais”, documentário de David Aguiar e Sabina Colares, que vai em busca
de informações e vestígios de um campo de concentração para flagelados da seca,
aprisionados como escravos em 1932, em Fortaleza. Memórias, relatos, documentos e fotos, que
vão sendo encontrados, resgatam uma situação política e social importante, que
foi varrida da história oficial e virou tabu.
Por meio dela, muita coisa importante desse período vem à tona, ilumina
e esclarece o nosso presente. Começo
promissor da dupla de cineastas.
O Júri Internacional, além de premiar
“Honeyland” como documentário, escolheu dois filmes de ficção: “Dente de
Leite”, de Shannon Murphy, da Austrália, que não alcancei ver, e “System
Crasher”, ótimo trabalho de Nora Fingscheidt, da Alemanha, que é o filme mais
forte e pesado de toda a Mostra. Aborda
o caso de uma menina de 9 anos de idade tomada pela raiva, pelo descontrole e
por explosões que põem em risco a vida dela e a dos outros. É um caso extremo, que parte de uma situação
traumática, alimentada por camadas sucessivas de rejeição, em que a mais
decisiva é a da própria mãe. É um filme
pessimista, que não vislumbra saída.
Mandar a menina da Alemanha para o Quênia ou deixá-la se destruir? Ou seja, um absurdo que só poderia ser
transformado se o empenho colocado no atendimento à criança se direcionasse
para a mãe, por meio de um tratamento longo e penoso que, quem sabe, pudesse
conduzir a alguma coisa. O filme
apresenta com muito talento esse mundo hostil, de gritos, histeria e agressão,
com todos os recursos que pode, da câmera agitada, da correria, da fusão de
cores e gritos, dos cortes abruptos que assustam, e de um desempenho infernal
da atriz-mirim, que faz a difícil personagem Benni.
ELIA SULEIMAN no Cinesesc |
Quanto à minha lista pessoal de favoritos da
Mostra, gostaria de destacar que o grande filme desta edição, para mim, foi o
palestino “O Paraíso Deve Ser Aqui”, do grande diretor Elia Suleiman, que
esteve em São Paulo, recebeu o prêmio “Humanidade”, concedido a quem se dedica
ao cinema humanista com ênfase nas questões sociais e políticas e nos direitos
humanos. Prêmio mais do que merecido,
pelo que já havia realizado. Mas ele nos
trouxe o filme mais original e criativo dessa edição. Não percam, se tiverem oportunidade de
ver. Já postei crítica do filme aqui,
assim como já abordei todos os demais que estão na minha lista. Faltou falar de “Sinônimos”, um filme francês
surpreendente na forma como expõe uma questão identitária, a partir de um
personagem judeu, israelita, que quer deixar de lado essa origem e se tornar um
autêntico francês. Para isso, ele
precisa, no mínimo, dominar a língua e seus sinônimos. Será que um dicionário resolve isso? A questão é muito mais profunda, claro. E é disso que trata esse belo filme, que mexe
no vespeiro das identidades neste combalido mundo contemporâneo.
MEUS MELHORES
O
PARAÍSO DEVE SER AQUI, de Elia Suleiman, Palestina
HONEYLAND,
de Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska, Macedônia do Norte
PARASITA,
de Bong Joon-ho, Coreia do Sul
A
VIDA INVISÍVEL, de Karim Ainöuz, Brasil
FILHOS
DA DINAMARCA, de Ulaa Salim, Dinamarca
DOIS
PAPAS, de
Fernando Meirelles, Estados Unidos/Reino Unido
SINÔNIMOS,
de Nadav Lapid, França
MENTE
PERVERSA, de Savas
Ceviz, Alemanha
SYSTEM
CRASHER, de Nora Fingscheidt, Alemanha
WASP
NETWORK, de Olivier Assayas, França
LA
LLORONA, de Jayro Bustamante, Guatemala
CICATRIZES,
de Miroslav Terzic, Sérvia
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