sexta-feira, 8 de novembro de 2019

MELHORES DA MOSTRA 43

Antonio Carlos Egypto


Quais seriam os melhores filmes da 43ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, recém encerrada?  Os que foram premiados pelo Júri Internacional que aqui esteve, os favoritos da crítica e do público?  Sem dúvida, estes devem ser considerados.  Mas cada um fará sua lista de melhores, com base em suas preferências cinematográficas, dentro daquilo que pôde ver.  Ao final deste texto, podem conferir a minha lista de 12 preferidos.  Por que 12 e não 10 ou 20?  Não sei ao certo. Talvez porque esses 12 cubram razoavelmente bem o que mais me impressionou e convenceu, dentre os filmes exibidos.  Mas eu poderia fazer uma segunda lista de destaques, de nível equivalente.  Tinha muita coisa boa para ver, fora o que não deu tempo de conferir.


HONEYLAND


Entre os filmes que saíram contemplados por esta Mostra, está “Honeyland”, vencedor do prêmio da crítica de melhor filme internacional e prêmio do Júri Internacional como melhor documentário.  É um trabalho de grande beleza plástica, que aborda a questão do meio ambiente, da sustentabilidade e das diferenças que experimentam as pessoas nos  diversos contextos culturais, a partir de uma figura de mulher, real e forte, que em sua vida simples e isolada mostra saber o que quer e agir com firmeza.  Belo trabalho da dupla de cineastas Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska, da Macedônia do Norte. 

“Aos Olhos de Ernesto” foi o preferido nacional da crítica.  É uma produção da Casa de Cinema de Porto Alegre, que completa 30 anos de trabalhos muito relevantes para o cinema brasileiro.  Ana Luíza Azevedo, que dirige o longa, já tem uma larga trajetória por lá, ao lado de Jorge Furtado.  Se em “Antes Que o Mundo Acabe”, de 2010, a ótica da relação pai e filho se centrava no mundo de um adolescente, agora o foco é a velhice de um fotógrafo que está ficando progressivamente cego e tem de lidar com suas limitações, a viuvez e a solidão.  É um retrato sensível numa trama bem construída, que envolve e comove, sem ser piegas.  Disseca um personagem muito rico e as relações respeitosas e espertas que ele consegue estabelecer com os outros.  Merece atenção quando chegar aos cinemas.

“Parasita”, da Coreia do Sul, o preferido internacional do público, até já chegou aos cinemas.  Acaba de estrear e merece ser visto.  A crítica do filme está aqui, no cinema com recheio, entre as matérias dedicadas à Mostra 43, outubro de 2019.

O documentário “A Grande Muralha Verde” foi o que conquistou o público na categoria, e com razão.  O trabalho de Jared P. Scott, do Reino Unido, com produção de Fernando Meirelles, trata de algo espetacular.  Um projeto que já está acontecendo na África e pelo qual todos devemos torcer pelo seu sucesso e apoiar como pudermos.  Uma muralha de árvores e plantações que se estende por 8 mil quilômetros, atravessando Senegal, Mali, Nigéria, Níger e Etiópia, na região do Sahel, abaixo do Saara.  A cantora Inna Modja, ativista do Mali, percorreu toda a região para conhecer e apoiar essa iniciativa espantosa de defesa da vida e do meio ambiente, que já revelou enorme sucesso econômico na sofrida Etiópia, que havia vivido episódios de fome inacreditáveis em passado recente.  Vale a pena conhecer melhor isso, até para acreditar mais no mundo e nas pessoas.


A GRANDE MURALHA VERDE

A ficção nacional “Pacificado” e o documentário brasileiro “Chorão: Marginal Alado”, escolhidos pelo público, eu não consegui ver na Mostra.  O prêmio Abraccine para o filme brasileiro de novos diretores, ainda em seu primeiro longa, foi para “Currais”, documentário de David Aguiar e Sabina Colares, que vai em busca de informações e vestígios de um campo de concentração para flagelados da seca, aprisionados como escravos em 1932, em Fortaleza.  Memórias, relatos, documentos e fotos, que vão sendo encontrados, resgatam uma situação política e social importante, que foi varrida da história oficial e virou tabu.  Por meio dela, muita coisa importante desse período vem à tona, ilumina e esclarece o nosso presente.  Começo promissor da dupla de cineastas.

O Júri Internacional, além de premiar “Honeyland” como documentário, escolheu dois filmes de ficção: “Dente de Leite”, de Shannon Murphy, da Austrália, que não alcancei ver, e “System Crasher”, ótimo trabalho de Nora Fingscheidt, da Alemanha, que é o filme mais forte e pesado de toda a Mostra.  Aborda o caso de uma menina de 9 anos de idade tomada pela raiva, pelo descontrole e por explosões que põem em risco a vida dela e a dos outros.  É um caso extremo, que parte de uma situação traumática, alimentada por camadas sucessivas de rejeição, em que a mais decisiva é a da própria mãe.  É um filme pessimista, que não vislumbra saída.  Mandar a menina da Alemanha para o Quênia ou deixá-la se destruir?  Ou seja, um absurdo que só poderia ser transformado se o empenho colocado no atendimento à criança se direcionasse para a mãe, por meio de um tratamento longo e penoso que, quem sabe, pudesse conduzir a alguma coisa.  O filme apresenta com muito talento esse mundo hostil, de gritos, histeria e agressão, com todos os recursos que pode, da câmera agitada, da correria, da fusão de cores e gritos, dos cortes abruptos que assustam, e de um desempenho infernal da atriz-mirim, que faz a difícil personagem Benni.


ELIA SULEIMAN no Cinesesc

Quanto à minha lista pessoal de favoritos da Mostra, gostaria de destacar que o grande filme desta edição, para mim, foi o palestino “O Paraíso Deve Ser Aqui”, do grande diretor Elia Suleiman, que esteve em São Paulo, recebeu o prêmio “Humanidade”, concedido a quem se dedica ao cinema humanista com ênfase nas questões sociais e políticas e nos direitos humanos.  Prêmio mais do que merecido, pelo que já havia realizado.  Mas ele nos trouxe o filme mais original e criativo dessa edição.  Não percam, se tiverem oportunidade de ver.  Já postei crítica do filme aqui, assim como já abordei todos os demais que estão na minha lista.  Faltou falar de “Sinônimos”, um filme francês surpreendente na forma como expõe uma questão identitária, a partir de um personagem judeu, israelita, que quer deixar de lado essa origem e se tornar um autêntico francês.  Para isso, ele precisa, no mínimo, dominar a língua e seus sinônimos.  Será que um dicionário resolve isso?  A questão é muito mais profunda, claro.  E é disso que trata esse belo filme, que mexe no vespeiro das identidades neste combalido mundo contemporâneo.

MEUS MELHORES
O PARAÍSO DEVE SER AQUI, de Elia Suleiman, Palestina
HONEYLAND, de Ljubomir Stefanov e Tamara Kotevska, Macedônia do Norte
PARASITA, de Bong Joon-ho, Coreia do Sul
A VIDA INVISÍVEL, de Karim Ainöuz, Brasil
FILHOS DA DINAMARCA, de Ulaa Salim, Dinamarca
DOIS PAPAS, de Fernando Meirelles, Estados Unidos/Reino Unido
SINÔNIMOS, de Nadav Lapid, França
MENTE PERVERSA, de Savas Ceviz, Alemanha
SYSTEM CRASHER, de Nora Fingscheidt, Alemanha
WASP NETWORK, de Olivier Assayas, França
LA LLORONA, de Jayro Bustamante, Guatemala
CICATRIZES, de Miroslav Terzic, Sérvia





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