PÁSSAROS DE VERÃO (Pájaros de Verano).
Colômbia, 2018. Direção: Cristina
Gallego e Ciro Guerra. Com Carmiña
Martínez, José Acosta, Natalia Reys, Jhon Narvaez, Greider Meza, Jose Vicente
Cotes. 125 min.
Assim como em “O Abraço da Serpente”, de 2015,
dirigido por Ciro Guerra, o novo filme dele, codirigido por Cristina Gallego,
nos põe em contato com uma cultura colombiana indígena. No caso deste “Pássaros de Verão”, é da
comunidade Wayuú que se trata, mostrada por meio de uma aldeia a partir da
família wayuunaiki, em cujo idioma o filme é falado, além do espanhol e do
inglês. O inglês, por conta dos turistas
norte-americanos que aparecem por lá, em busca de maconha.
O que se vê, então, é um choque cultural que
põe em guerra a própria família, com o que ficou conhecido como la bonanza marimbera, o lucrativo
comércio da maconha para os Estados Unidos, no decorrer dos anos 1970, que tem
a ver com um ciclo que colocou a droga no centro das questões políticas do
próprio país. O que seria uma questão
local, de pequena dimensão, está na base de uma guerra que alcançou grandes
proporções, como nos mostra a história recente da Colômbia.
O filme tem um enfoque diferente para a
questão das drogas e dos crimes que a acompanham: a descoberta de um caminho
produtivo, relativamente fácil e altamente lucrativo, que poderia ser a
redenção econômica daquela comunidade, se transformando numa guerra familiar
muito sangrenta.
A ambição e a tradicional defesa da honra e
dos hábitos ancestrais da comunidade convivem com o mercado que se conduz por
outros padrões, o das economias capitalistas, em que oferta e procura
determinam ações, preços, e trazem consequências que escapam inteiramente ao
controle da cultura local, acabando por praticamente destruí-la,
descaracterizando-a, gerando a cizânia.
“Pássaros de Verão” nos põe em contato com
essa riqueza cultural tradicional do povo Waiuú, seus rituais religiosos e de
acasalamento, suas danças, oferendas, princípios de relacionamento e inserção
familiar. As drogas até fazem parte da
comunidade, como costuma acontecer com quem está mais próximo das plantas e do
uso medicinal delas. Mas se torna mais
difícil de compreender e lidar, quando o produto assume a condição de
mercadoria, reverenciada e consumida com avidez e a preços vantajosos pelos
forasteiros. Elas são fontes de riqueza,
por um lado, e uma espécie de força do demônio, por outro.
O filme é muito bem feito, instigante,
original na abordagem, reafirmando os realizadores colombianos como cineastas
de peso, o que está sendo reconhecido em festivais importantes, como o de
Cannes.
Ciro Guerra como diretor, com produção da
atual codiretora Cristina Gallego, concorreram ao Oscar de filme estrangeiro
pela Colômbia com “O Abraço da Serpente”, em 2016. Aquele filme foi também um dos grandes
destaques da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e foi exibido no
circuito comercial. “Pássaros de Verão”
está seguindo trilha semelhante, incluindo a indicação ao Oscar, e mostrando um
caminho exploratório muito interessante, com base na Antropologia: a
identificação dos elementos culturais ancestrais postos em contato com
elementos contemporâneos que os modificam e transformam, mas também podem ser
passíveis de serem transformados, de algum modo. Por uma consciência ecológica, por exemplo,
que tem muito a aprender com as culturas mais tradicionais. Também é muito relevante o papel histórico
desses encontros e desencontros culturais, de diferentes mundos que coexistem.
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