terça-feira, 18 de junho de 2019

SANTIAGO, ITÁLIA

Antonio Carlos Egypto



SANTIAGO, ITÁLIA (Santiago, Itália).  Itália, 2018.  Direção: Nanni Moretti.  Documentário.  80 min.


Nanni Moretti é um realizador muito antenado com tudo o que se passa na sua cidade, no seu país e no mundo.  Ótimo contador de histórias, incorpora a seus personagens e situações um humor cheio de ironias políticas, que buscam avançar na direção de um mundo mais livre, defenestrando figuras conservadoras e autoritárias, como Berlusconi, por exemplo.

Suas ficções flertam com o documental, em vários filmes.  Em “Caro Diário”, de 1993, ele é o próprio personagem e seus passeios de lambreta por toda a Roma não deixam de ser uma bela reportagem sobre a cidade.  “Santiago, Itália”, no entanto, é o primeiro documentário que vejo dele (não sei se ele fez outros, que podem não ter chegado aqui).

Seu estilo característico de dirigir, e mesmo de atuar, está lá.  Fluidez e leveza garantidas.  Mas a forma do documentário se impõe, com muitas imagens de arquivo e entrevistas com as pessoas que estiveram envolvidas com a história que ele vai nos contar. E essa história precisava mesmo ser contada, porque se refere a um momento em que ideais políticos, resistência á truculência e solidariedade humana estavam em alta na Itália.




Em 1973, o Chile passou a viver uma tragédia política e humanitária, a partir do 11 de setembro em que o Palácio de la Moneda, sede do governo, foi bombardeado pelas Forças Armadas do país, com o presidente eleito Salvador Allende dentro dele.  Que optou pelo suicídio, nos fazendo lembrar de Getúlio Vargas, e deixou sua marca na história.  O filme de Nanni Moretti começa antes disso, nos anos felizes e prósperos do governo Allende, que sempre contou com amplo apoio popular.

A ditadura militar que então se instalou, sob o comando do general Augusto Pinochet, foi um estado de exceção marcado pela censura, perseguição, prisão, tortura e morte dos que participaram ou apoiaram aquele governo popular.

A embaixada italiana em Santiago do Chile recebeu, na época, muitas pessoas, que pularam seu muro, relativamente baixo, e lá se abrigaram para salvar suas vidas.  Chegaram a viver dentro da embaixada cerca de 250 pessoas, incluindo crianças.  Os embaixadores italianos Piero De Masi e Roberto Toscano, ouvidos no filme, decidiram conceder asilo a todos esses chilenos perseguidos e muito fizeram para ajudá-los a se adaptar e encontrar emprego e moradia dignos em solo italiano.  Muitos deles lá ficaram, reconstruíram suas vidas e relembram a solidariedade recebida e a acolhida afetuosa que tiveram, inclusive na rua e de moradores das cidades que os receberam, querendo saber deles e do Chile.

O papel que a Itália como país desempenhou nesse momento terrível da vida chilena é mostrado por Moretti como algo inesquecível, que exala humanidade.  E que se perdeu pelo caminho. Na Itália de hoje, o que vigora são o consumo e o individualismo.




O documentário é um belo resgate desses fatos, que merecem ser mais conhecidos e celebrados e que praticamente não circularam por aqui.  Excelente trabalho do diretor, que costuma ser também ator de seus filmes.  Entre seus principais trabalhos estão, além de “Caro Diário”, “Abril”, de 1998, “O Quarto do Filho”, de 2001, “Crocodilo”, de 2006, “Habemus Papam”, de 2011, e “Minha Mãe”, de 2015.  Uma obra inteligente e de grande qualidade.

“Santiago, Itália” recebeu o prêmio Davi de Donatello de melhor documentário e o prêmio Nastro D’Argento, do Sindicato dos Jornalistas Italianos.




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