quinta-feira, 18 de outubro de 2018

OUTRAS DICAS DA 42ª. MOSTRA

           
Antonio Carlos Egypto


Aí vão alguns comentários sobre filmes da 42ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que está começando.

Desde Yasujiro Ozu (1903-1963), o cinema japonês se dedica de modo especial às questões familiares.  A família como elemento protetor, provedor de afetos, como o apoio e a solidariedade.  No entanto, também fonte de muitos conflitos, desagregação, remorso, culpa.  Hirokazu Kore-Eda, grande cineasta japonês do presente, segue essa tendência, trabalhando as dificuldades do contexto familiar, muitas vezes marcado pela competição ou desencontro entre seus membros, pelo abandono das crianças, mas também pela aproximação entre os distantes.  As relações entre pais e filhos continuam no centro de toda essa tradição.  Em  ASSUNTO DE FAMÍLIA, Kore-Eda questiona a própria noção de família.  Nada mais atual.  Existe a necessidade do vínculo e da educação e proteção dos mais jovens, porém, são os laços biológicos que produzem isso?  Ou isso pode se materializar de outras formas?  Vínculos de amizade e companheirismo podem substituir relações de parentesco? Com o agravamento das vulnerabilidades econômicas e sociais, que produzem largas camadas de pobreza e desamparo, como alcançar a sobrevivência com dignidade?  E até que ponto é possível para essa população carente respeitar as leis, não cometer nenhum tipo de crime?  Sabemos como as camadas mais pobres da população são solidárias entre si.  Até onde é possível ir, para compartilhar saídas em família?  E qual família?  São tantas as questões levantadas pelo filme e tão envolvente e surpreendente é a sua narrativa que parece justíssima a Palma de Ouro conquistada no Festival de Cannes.  121 min.


ASSUNTO DE FAMÍLIA


Em SOFIA, a diretora marroquina Meryem Benm’ Barek, em seu primeiro longa, trata da questão da gravidez na adolescência, no ambiente tradicionalista, marcado por leis machistas e restritivas, que tornam tudo mais difícil, especialmente para as mulheres.  Não que os homens não sejam atingidos, também.  Uma questão, que por aqui tem uma dimensão muito menor, se converte em grande drama quando uma jovem esconde sua gravidez e acaba tendo um filho sem estar casada, violando as leis do país.  Ela terá um dia para regularizar os papéis de um casamento, antes de que o hospital se obrigue a informar as autoridades.  A produção da França e do Qatar ganhou prêmio de roteiro em Cannes, pela boa trama que resultou dessa situação-problema apresentada. 80 min.

O diretor polonês Pawel Pawlikowski nos deu o brilhante filme “Ida”, em 2013.  Percebemos que muito se pode esperar dele.  GUERRA FRIA não chega ao mesmo nível, mas é também um belo trabalho.  Com o mesmo talento com a câmera, nos enquadramentos, na fotografia em preto e branco, ele nos conta uma história de amor bem conflitiva.  Um amor separado pelo muro da guerra fria, tanto quanto pela diversidade de sentimentos e comportamentos que envolvem esse homem e essa mulher.  Como a trama se passa no contexto da música e da dança, que de raiz folclórica tem de incorporar o realismo socialista e cultivar o personalismo de Stalin, o filme tem belas sequências artísticas.  É um elaborado romance musical, no fim das contas.  Com muito drama e conotação política.  84 min.


A FAVORITA


A FAVORITA, direção do cineasta grego Yorgos Lanthimos, é uma produção de época com filmagem sofisticada, visualmente muito bonita e que adentra o terreno do reino inglês em guerra com a França, mostrando não só ambientes, comportamentos, roupas, mas sobretudo o perverso jogo amoroso e de poder.  Uma rainha, sua dama favorita e uma serva que decaiu da condição que já teve de dama, travam uma disputa de luxúria e destruição, que escancara as entranhas da monarquia britânica do início do século XVIII.  Passa longe das edulcoradas narrativas que glamourizam uma vida que, segundo o filme, tem sordidez de sobra.  Boa trilha musical e um trabalho de som que, por sua precisão e intensidade ao longo da projeção, chamam muito a atenção.  A produção envolve Reino Unido, Irlanda e Estados Unidos.  120 min.

PODERIA ME PERDOAR?, da diretora estadunidense Marielle Heller, relata, de uma forma clássica, uma história composta de fatos reais que são surpreendentes.  Uma ótima escritora de biografias, que já foi famosa, enfrenta as consequências das novas expectativas de mercado que, na prática, a excluem.  Escrever bem ela sabe, e em diferentes estilos, porém, para sobreviver, ela usa esse talento de forma criminosa, ganha um bom dinheiro e acaba se saindo bem, computando-se tudo o que aconteceu com ela.  Vale porque é uma boa história, com um elenco muito bom.  107 min.



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