Antonio Carlos
Egypto
UMA MULHER FANTÁSTICA (Una Mujer Fantástica).
Chile, 2017. Direção: Sebástian
Lelio. Com Daniela Vega, Francisco
Reyes, Luís Gnecco, Aline Kuppenheim.
104 min.
O filme chileno “Uma Mulher Fantástica”,
dirigido por Sebástian Lelio, que também fez o ótimo “Glória”, de 2013, foi o
grande vencedor da disputa pelo Oscar de filme estrangeiro, agora em 2018. O filme já havia acumulado prêmios
importantes, no Festival de Berlim, entre eles, o Urso de Prata de melhor
roteiro, depois de haver sido indicado ao Globo de Ouro.
A conquista do Oscar de filme estrangeiro, no
entanto, abre muitas portas no mercado
exibidor mundial, o que permite supor que o filme já está sendo visto
por um público bem amplo. No Brasil,
voltou aos cinemas, já saiu em DVD, certamente estará em streaming. Isso é muito
importante para o cinema chileno e para a temática que o filme aborda, a
transexualidade.
A trama, centrada na garçonete transexual que
perde abruptamente seu parceiro de vida e passa a enfrentar um inferno junto à
família do morto, às leis e às autoridades, pelo simples fato de ser
transexual, é muito competente. Mostra
uma realidade que é negada e incomoda a sociedade, ou boa parte dela. Abre perspectivas para que o assunto seja
encarado como deve: revendo-se as leis que, por tabu e omissão, produzem fortes
sofrimentos e injustiças flagrantes.
A premiação do filme já está impulsionando a
revisão da legislação chilena, com o apoio de Michelle Bachelet, que pode
bancar esse avanço, embora esteja de saída do governo. Parece que ainda dá tempo. E, com a exposição mundial do Oscar, outros
estímulos mundo afora para a revisão da legislação podem aflorar. No Brasil, a questão da transexualidade está
sendo progressivamente melhor compreendida e alguns avanços acontecem. Em que pese esta insuportável onda
conservadora que, frequentemente, se expressa num festival de ignorância e
grosseria.
“Uma Mulher Fantástica” expõe de forma dramática
a questão central do problema, com realismo, mas também de forma
alegórica. Algumas das melhores
sequências do filme estão no registro alegórico. O que o torna mais belo esteticamente e mais
eficiente, na batalha que trava pela cidadania e direitos dos transexuais.
A atriz Daniela Vega, que é transexual, é o
grande destaque do filme, com uma atuação firme, cheia de emoção contida, e
mostrando, com toda a clareza na expressão, quanto custa engolir sapos. E o sofrimento pesado que está por trás do
preconceito e da intolerância. Além
disso, exibe seu talento como cantora lírica.
Foi uma bela vitória, também, para o cinema
que se faz na América do Sul. Afinal, os
concorrentes russo (“Sem Amor”), sueco (“The Square – A Arte da Discórdia”), e
húngaro (“Corpo e Alma”) são filmes de alta categoria. O libanês (“O Insulto”) agradou muita gente,
alcançou inegável êxito. Quando os
concorrentes são desse quilate, o prêmio tem um sabor ainda mais intenso.
Já que estamos falando de Oscar, a cerimônia
deste ano revelou uma Academia aberta à diversidade, em todos os sentidos. Grande espaço para as mulheres, negros,
diversidade sexual, étnica e cultural, expressão de nacionalidades e destaque
para personagens portadores de deficiência.
Parece que as pauladas que tem levado nos últimos anos e medidas práticas adotadas
surtiram efeito. Até a cerimônia em si
foi mais discreta e respeitosa do que de costume. A expressão política se deu de forma mais
moderada, menos histriônica. O que
também é um bom sinal.
Os prêmios se dividiram entre vários filmes e,
embora “A Forma da Água” tenha levado o melhor filme e diretor, Guillermo del
Toro, não foi uma supremacia tão grande quanto a que já aconteceu em outras
oportunidades. Foi um Oscar equilibrado
o de 2018.
Nenhum comentário:
Postar um comentário