domingo, 22 de janeiro de 2017

MANCHESTER À BEIRA-MAR


Antonio Carlos Egypto




MANCHESTER À BEIRA-MAR (Manchester By The Sea).  Estados Unidos, 2016.  Direção: Kenneth Lonergan.  Com Casey Affleck, Michelle Williams, Kyle Chandler, Lucas Hedges, C. J. Wilson.  138 min.



“Manchester à Beira-Mar” é um filme estadunidense que não trata de heróis em quadrinhos, seres fantásticos ou de outro planeta.  Aborda gente de verdade, seres humanos.  Ou seja, conversa com um público adulto, interessado em refletir sobre a vida cotidiana e o ser humano, como ele é.

Esclarecido isso, dá para dizer que o filme trata de um tema psicologicamente muito relevante e que pesa fortemente na vida das pessoas: a culpa.  A culpa não trabalhada, não elaborada, que faz com que os comportamentos inadequados e destrutivos se repitam e acaba por não conduzir a lugar nenhum.




Lee (Casey Affleck) é uma figura humana desencontrada de si mesma, consumida pela culpa.  O alcoolismo, que está na origem do seu problema, se acentua, passando da irresponsabilidade alegre para uma tristeza taciturna.  Ele se torna muito agressivo, antissocial e utiliza seu potencial no grau mínimo, contentando-se com uma ocupação manual que o dispensa de pensar.  Mas não de se indispor com os clientes.

Esse homem terá de enfrentar um desafio para o qual, evidentemente, não está preparado: cuidar de um sobrinho adolescente que perdeu o pai e que não pode viver com uma mãe distante, descontrolada, que oscila entre a dependência do álcool e a de uma religião e de um novo casamento, que possam freá-la.

O convívio entre o tio e o sobrinho, sua problemática, nuances e impasses, ocupam grande parte da trama.  O centro disso é a preocupação com a caracterização do personagem protagonista, os desacertos e descaminhos que ele produz, seu despreparo, seu modo infantil de negar as coisas que se lhe apresentam, suas reações tardias, quando ocorrem.  Como se chega a isso?  Na origem e na base de tudo, a culpa, que corrói.




A relação com a ex-esposa se torna impossível para ele, em qualquer circunstância.  Está consumida pelo fogo, que destruiu aquele casamento e os filhos.  E destruiu a vida dela pós-separação, também, pelo que se vê.  Não há espaço para nenhuma reparação, pelo menos da parte dele.

Estamos diante de um drama?  Mais do que isso, de uma tragédia.  Que se manifesta de muitas formas, ao longo da narrativa.  O espectador tende a pedir: menos, menos.  É tragédia demais nessa vida.

Apesar disso, o tom do filme não é trágico.  É mais um relato triste, desesperançado, sem saída.  Mas também sem exageros, arroubos interpretativos, escândalos.  As coisas se colocam em tom baixo.  Desanimador, não histérico.  Para isso contribuem os desempenhos dos atores, em especial, o de Casey Affleck.  Ele dá o tom certo, minimalista, ao personagem Lee.  O elenco todo compõe bem o clima da história.




O vai-e-vem da narrativa no tempo e as cenas que vão se apresentando, exigindo que a plateia fique atenta e monte, pouco a pouco, o quebra-cabeça de quem é quem e o que está fazendo aqui, também colabora para esfriar as emoções, evitando o envolvimento intenso com o drama que está sendo mostrado.  Isso dá margem ao distanciamento necessário para se refletir sobre o que se vê.  O resultado é muito bom, talvez com menor apelo comercial.  Mas como o filme deve figurar na lista do Oscar, isso vai ser compensado.



            

Nenhum comentário:

Postar um comentário