Antonio Carlos
Egypto
MÃE SÓ HÁ UMA.
Brasil, 2015. Direção e roteiro:
Anna Muylaert. Com Naomi Nero, Matheus
Nachtergaele, Dani Nefussi, Daniel Botelho, Laís Dias, Luciana Paes, Helena
Albergaria. 82 min.
Após o êxito do filme “Que Horas Ela Volta?”, em
2015, Anna Muylaert nos apresenta um novo e bem estruturado trabalho. E que, mais uma vez, mergulha no universo
familiar e o conecta com o contexto social.
O ponto de partida que serviu de livre inspiração
para o filme “Mãe Só Há Uma”, é uma história muito conhecida e divulgada: o
caso real do menino Pedrinho, amplamente noticiado e que emocionou o público,
em 2002. Para quem não se lembra, ele
havia sido roubado na maternidade, em Brasília, foi educado e amado pela mulher
que praticou o sequestro. Vivia com ela,
o marido e uma outra filha, que também se soube ter sido igualmente
roubada. No entanto, a família biológica
de Pedrinho continuou à sua procura e acabou encontrando-o, já adolescente, dezesseis
anos depois. Foi uma mudança brusca de
vida para todos os envolvidos, porém, tudo aparentemente acabou se
encaixando. A mulher que cometeu o crime
foi condenada e presa.
Contar essa história já seria bastante emocionante
para um filme. E seria sempre possível
acrescentar ingredientes, questionamentos, incertezas. Ou apelar para o sentimentalismo, com vistas
a levar as plateias ao choro. O filme de Anna Muylaert avança muito mais. Cria uma ficção que une esse fato gerador à
questão da identidade, da aceitação e do convívio com a diversidade, envolvendo
os preconceitos que perpassam pelo tecido social, em momento de extrema
fragilidade afetiva para os personagens centrais da trama.
Reencontrar e redescobrir um filho perdido só aos 17
anos de idade, após a busca de uma vida, por meio de um exame de DNA,
decorrente de uma denúncia anônima, já tem uma dimensão fantástica e
desafiadora. Um jovem em pleno processo de afirmação de características de
personalidade, desejos e buscas, mudar de nome, de família, de casa e de escola
é algo tão mobilizador quanto assustador.
Que pode produzir muito sofrimento e respostas surpreendentes. Assim como poderia significar uma descoberta
gratificante, quem sabe até uma aventura empolgante da juventude. As possibilidades são imensas. E imprevisíveis.
O roteiro que Anna Muylaert elaborou para “Mãe Só Há
Uma” exacerbou o conflito da situação, trazendo elementos inesperados, como a
perspectiva de gênero que o garoto resolve radicalizar justamente quando seu
mundo vira de cabeça para baixo. Para os
pais que esperaram por tantos anos pelo filho tão desejado e buscado, como será
conviver com um adolescente que eles desconhecem e que gosta de usar vestidos e
pintar unhas, por exemplo?
A forma como essas questões se articulam na trama do
filme é muito inteligente e mexe com os espectadores. O final é precioso: o afeto e a aceitação
podem vir de onde menos se espera.
O papel complicado desse personagem adolescente às
voltas com seus conflitos internos e sua relação com duas histórias, duas
famílias, o preconceito e a rejeição social, coube ao jovem ator Naomi
Nero. Ele se entrega ao personagem e
convence.
Dani Nefussi vive muito bem o papel duplo das mães
Glória e Aracy, enquanto Matheus Nachtergaele interpreta o pai, com elementos
de machismo, de preconceito e de opressão, ao mesmo tempo que de insegurança,
de impotência e até de subserviência.
Ele é um ator que consegue transitar por universos de personagens e
situações muito diversos, sempre com grande habilidade.
Não só esses protagonistas, como todo o elenco,
estão muito bem, valorizando em cada personagem essa narrativa tão propícia à
reflexão, em um exemplo de grande qualidade do cinema brasileiro atual.
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