Antonio
Carlos Egypto
UMA NOVA AMIGA (Une
Nouvelle Amie). França, 2014.
Direção: François Ozon. Com
Romain Duris, Anaïs Demoustier, Raphäel Personnaz, Isild Le Besco, Aurore
Clément. 107 min.
Do cineasta francês François Ozon não se espere nada
de convencional. Ele está sempre em
busca de situações e personagens que escapam à rotina e põem em questão a ética
chamada burguesa. Ou seja, ele mexe no
que incomoda ao conservadorismo vigente, especialmente na questão dos costumes.
Tem o hábito, também, de estar muito atento aos
dramas humanos, ao inesperado das situações e aos mistérios e surpresas que
possam ser explorados. Sabe lidar bem
com a afetividade, com o desconcertante do amor, com leveza e suspense na
narrativa.
Em “Uma Nova Amiga” ele trata com profundidade e
delicadeza da questão do travestismo.
Tentando entendê-lo e mostrá-lo ao espectador, para além dos
estereótipos tão comumente associados ao tema.
O protagonista da trama é David/Virgínia (Romain Duris),
um homem que fica viúvo e, a partir daí, dá vazão ao seu desejo de se vestir de
mulher e experimentar a identidade feminina.
Em paralelo a isso, cuida de sua filha de poucos meses e convive com
Claire (Anaïs Demoustier), grande amiga de sua mulher morta, por toda a vida de
ambas, e com Gilles (Raphael Personnaz), o marido de Claire.
A história se desenvolve explorando um suspense à la
Hitchcock e com um toque almodovariano na narrativa, típica do diretor
espanhol, em que a diversidade sexual se destaca. O roteiro é muito rico em momentos e
situações, em que o humor caminha ao lado da ansiedade e da surpresa, sempre
com muito respeito aos personagens e à sua condição humana.
É daqueles filmes que, depois de conhecido o enredo,
vale a pena rever, debater, explorar didaticamente o assunto, já que ele foi
muito bem exposto na ficção. Travestis
são comumente mostrados no cinema, mas raramente dissecados, como acontece com
o personagem central de “Uma Nova Amiga”.
Só mesmo nos filmes de Pedro Almodóvar se pode encontrar algo
semelhante.
François Ozon tem uma capacidade de expor as coisas
por meio de imagens, praticamente sem palavras, quando assim o deseja, que é
cativante. A história de Claire e sua
grande amiga Laura é mostrada em toda a sua inteireza e com riqueza de
detalhes, cobrindo da tenra infância à morte de Laura, nos primeiros dez
minutos do filme, incluindo-se o preparo do corpo e o enterro. E o que se mostra nesse início é fundamental
para entender o que se passará depois.
Há outros momentos, rápidos e eficientes, em que a
imagem diz tudo, quando algo é imaginado ou sonhado, revelando um medo,
preocupação ou desejo. Ou quando a
câmera invade a intimidade, praticamente entrando no personagem por seu rosto,
seus olhos, sua boca. Cinema de
primeira, enfim.
O desempenho do elenco é igualmente notável. Todos muito bem nos seus papéis. Os destaques vão para os protagonistas Anaïs
Demoustier, excelente atriz, e especialmente Romain Duris, que se desdobra no
papel duplo de David e Virgínia e consegue nos transmitir as ambiguidades da
passagem de uma a outra identidade. Uma
exigência pesada a que ele dá conta com sucesso e, a julgar pelo seu sorriso,
parece ter se divertido com isso.
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