segunda-feira, 27 de julho de 2015

UMA NOVA AMIGA


Antonio Carlos Egypto




UMA NOVA AMIGA (Une Nouvelle Amie). França, 2014.  Direção: François Ozon.  Com Romain Duris, Anaïs Demoustier, Raphäel Personnaz, Isild Le Besco, Aurore Clément. 107 min.



Do cineasta francês François Ozon não se espere nada de convencional.  Ele está sempre em busca de situações e personagens que escapam à rotina e põem em questão a ética chamada burguesa.  Ou seja, ele mexe no que incomoda ao conservadorismo vigente, especialmente na questão dos costumes.

Tem o hábito, também, de estar muito atento aos dramas humanos, ao inesperado das situações e aos mistérios e surpresas que possam ser explorados.  Sabe lidar bem com a afetividade, com o desconcertante do amor, com leveza e suspense na narrativa.




Em “Uma Nova Amiga” ele trata com profundidade e delicadeza da questão do travestismo.  Tentando entendê-lo e mostrá-lo ao espectador, para além dos estereótipos tão comumente associados ao tema.

O protagonista da trama é David/Virgínia (Romain Duris), um homem que fica viúvo e, a partir daí, dá vazão ao seu desejo de se vestir de mulher e experimentar a identidade feminina.  Em paralelo a isso, cuida de sua filha de poucos meses e convive com Claire (Anaïs Demoustier), grande amiga de sua mulher morta, por toda a vida de ambas, e com Gilles (Raphael Personnaz), o marido de Claire.

A história se desenvolve explorando um suspense à la Hitchcock e com um toque almodovariano na narrativa, típica do diretor espanhol, em que a diversidade sexual se destaca.  O roteiro é muito rico em momentos e situações, em que o humor caminha ao lado da ansiedade e da surpresa, sempre com muito respeito aos personagens e à sua condição humana.




É daqueles filmes que, depois de conhecido o enredo, vale a pena rever, debater, explorar didaticamente o assunto, já que ele foi muito bem exposto na ficção.  Travestis são comumente mostrados no cinema, mas raramente dissecados, como acontece com o personagem central de “Uma Nova Amiga”.  Só mesmo nos filmes de Pedro Almodóvar se pode encontrar algo semelhante.




François Ozon tem uma capacidade de expor as coisas por meio de imagens, praticamente sem palavras, quando assim o deseja, que é cativante.  A história de Claire e sua grande amiga Laura é mostrada em toda a sua inteireza e com riqueza de detalhes, cobrindo da tenra infância à morte de Laura, nos primeiros dez minutos do filme, incluindo-se o preparo do corpo e o enterro.  E o que se mostra nesse início é fundamental para entender o que se passará depois.

Há outros momentos, rápidos e eficientes, em que a imagem diz tudo, quando algo é imaginado ou sonhado, revelando um medo, preocupação ou desejo.  Ou quando a câmera invade a intimidade, praticamente entrando no personagem por seu rosto, seus olhos, sua boca.  Cinema de primeira, enfim.



O desempenho do elenco é igualmente notável.  Todos muito bem nos seus papéis.  Os destaques vão para os protagonistas Anaïs Demoustier, excelente atriz, e especialmente Romain Duris, que se desdobra no papel duplo de David e Virgínia e consegue nos transmitir as ambiguidades da passagem de uma a outra identidade.  Uma exigência pesada a que ele dá conta com sucesso e, a julgar pelo seu sorriso, parece ter se divertido com isso.


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