segunda-feira, 11 de maio de 2015

ÚLTIMAS CONVERSAS


Antonio Carlos Egypto




ÚLTIMAS CONVERSAS.  Brasil, 2014.  Direção: Eduardo Coutinho.  Documentário.  85 min.


“Últimas Conversas” é o trabalho derradeiro de um dos maiores documentaristas da história do cinema, no Brasil e no mundo: Eduardo Coutinho.  Ele conversou com adolescentes de escolas públicas do Rio de Janeiro, cursando o ensino médio, em vias de concluí-lo, buscando entender quais seriam os interesses, preocupações e sonhos desses jovens.  Tentando, como sempre, buscar o que possa surgir de novo, intrigante, relevante.  Sempre aberto a ouvir e compreender o ser humano para além de expectativas, teorias ou verdades pré-estabelecidas.  Ou, mesmo, hipóteses a serem comprovadas.

Morreu tragicamente antes de poder concluir o seu filme, em fevereiro de 2014, esfaqueado pelo próprio filho, em surto psicótico.  Trágica perda para o nosso cinema.




“Últimas Conversas” foi, então, concluído pelo também excelente documentarista João Moreira Salles, produtor habitual dos filmes de Coutinho.  A montagem ficou a cargo de Jordana Berg, montadora que já havia realizado junto com o cineasta diversos projetos.

Como consequência, o filme acabou tendo uma presença intensa do próprio Coutinho em cena, o que não teria ocorrido se ele estivesse vivo.  A ideia foi mostrar o método de trabalho dele, suas exigências e insatisfações.  Já de início, Coutinho fala à câmera sobre a frustração que é colher depoimentos de adolescentes: por um lado, lhes faltam a experiência e história de vida suficientes, por outro, já perderam a espontaneidade e a graça da infância.  Tudo parecia estar pouco satisfatório no que ele havia feito até ali.  Mas as entrevistas já estavam em fase final de coleta, a essa altura.




Sucedem-se os depoimentos que, de algum modo, mostram um retrato da chamada classe C, a classe média emergente que vem tendo acesso ao estudo e ao consumo nos últimos anos.  O quadro familiar também aparece claramente em sua diversidade e pluralidade.  É inegável que os depoimentos selecionados nos falam de coisas importantes, nos ensinam coisas relevantes sobre essas pessoas.  E que a emoção brota de forma clara.  Parecia pouco ao mestre do documentário no Brasil, mas não é nada irrelevante.  Confirma que seu método de conversar e realizar documentários é um caminho muito rico e proveitoso para o cinema.  Na sua aparente simplicidade está sua força.  Aliás, tudo que é brilhante, especialmente talentoso, parece simples aos olhos de quem vê.  A simplicidade é o maior mérito do artista ou do escritor.




A edição termina com uma entrevista com uma menina de 6 anos, uma criança viva, inteligente e muito expressiva.  Como que a realizar o último desejo manifesto de Eduardo Coutinho.  Mas aí há um equívoco: a menina entrevistada é de classe alta, filha de médico e patologista, bem distante da realidade dos adolescentes mostrados anteriormente.  Não é possível comparar.  Podemos supor que as crianças das outras classes sociais também poderiam exibir tal encanto, diante das câmeras, mas seu repertório certamente seria outro.  Os universos apresentados não guardam muita relação entre si.




“Últimas Conversas” pode não ter sido um grande coroamento para uma carreira de excepcional qualidade.  Mas os clássicos que Coutinho realizou antes continuarão a servir de bússola na busca de um humanismo sempre muito necessário nos tempos atuais.

“Cabra Marcado Para Morrer”, de 1964-1984, “Santo Forte”, de 1999, “Edifício Master”, de 2002, “Peões”, de 2004, “Jogo de Cena”, de 2007, e “As Canções”, de 2011, entre outros, são filmes preciosos, em que a marca do trabalho de Eduardo Coutinho permanecerá viva para todos que gostam de pensar e gostam de cinema.


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