quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

RUN & JUMP


Antonio Carlos Egypto




RUN & JUMP (Run & Jump)Irlanda, 2013.  Direção: Steph Green.  Com Maxine Peake, Edward Machiam, Sharon Horgan, Will Forte.  102 min.


Um homem de 38 anos, marceneiro, casado e com filhos, sofre um derrame que deixa funções cerebrais comprometidas e gera transtorno de personalidade.  Após meses de hospitalização, ele volta para casa, para o convívio da família.  Mas volta acompanhado de um observador, pesquisador de problemas mentais, que vai viver com a família durante dois meses, para documentar e escrever relatórios científicos  sobre o processo de recuperação do paciente.

É óbvio que a família toda se sentirá observada e incomodada com a presença do estranho, especialmente a esposa.  E, claro, uma tal experiência não tem como dar certo e é do envolvimento do pesquisador com a família e dos problemas familiares que se tratará daí em diante.  Com direito a uma bizarra relação amorosa.




O ponto de partida, que cria a história do filme, não se sustenta.  Nas ciências humanas, não há como separar o pesquisador do seu objeto de pesquisa, uma vez que ele é parte integrante desse objeto.  A experiência de viver num determinado contexto humano, envolvido com ele, sentindo e interagindo com ele, é possível e pode trazer conhecimentos relevantes.  Desde que não se pretenda um distanciamento do objeto de estudo ou algum tipo de neutralidade, como a observação objetiva do fenômeno.  E aqui era o que se pretendia.

Diante disso, o personagem do pesquisador é apresentado como alguém que diz que não tem família e que vive para o trabalho.  Mais do que isso, ele é travado em coisas simples da vida, como interagir espontaneamente com crianças ou dançar.  Naturalmente, isso vai ter de mudar, ao longo da narrativa.  Mas a construção do personagem soa artificializada, numa situação que já não é crível.

Faltam a ele características humanas básicas que favoreçam a interação social.  Ou estão reprimidas de tal jeito, para que ele possa se dedicar a esse tipo de trabalho, que não lhe permitem viver com naturalidade.  Mas como se explica isso, num estudioso das ciências humanas?  É o contrário do que se supõe que seria alguém que se dedicasse a um trabalho como esse.




De outro lado, há os sentimentos da esposa, que recebe em casa um “novo” marido e um “novo” pai.  Que já não é capaz de cumprir essas funções, nem tem alcance do que se passa à sua volta.  Parece identificar-se com os sentimentos e ações dos animais, mais simples de serem compreendidos.  Portanto, alguém que se ausenta daquilo que lhe diria respeito.  Não obstante, está vivo, presente e atuante naquele espaço.  Embora nem mesmo seu talento com a marcenaria sirva mais para o sustento da família.  Quando a cabeça não funciona bem, tudo se complica.

A esposa, sobrecarregada com o problema do marido, as funções da casa e um estranho que também a observa,  nem percebe direito o que se passa com seu filho mais velho.  E tem de encontrar meios de se entender e se relacionar com esse homem, que está de passagem pela casa, mas que, em tese, seria capaz de resolver muitas questões da vida dela.

“Run & Jump”, o primeiro filme da cineasta Steph Green, acaba soando estranho e um tanto deslocado da realidade, apesar de buscar um tema denso e relevante e de todos os cuidados para a realização de um trabalho sério, sem preocupações ou concessões comerciais.




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