sexta-feira, 17 de outubro de 2014

FORÇA MAIOR

Antonio Carlos Egypto




FORÇA MAIOR (Turist).  Suécia, 2014.  Direção e roteiro: Ruben Ostlund.  Com Johannes Bah Kuhnke, Lisa Loven Konglsi, Clara Wettergren.  118 min.



“Força Maior” é um filme sueco que surpreende em muitos aspectos.  A começar pelo ambiente, onde ocorre a trama, uma estação de esqui que é pura neve, por todos os cantos.  Tudo é intensa e reluzentemente branco: as montanhas, os caminhos, as pistas.  Só o hotel e as construções para uso dos turistas, onde predomina a madeira clara, quebram esse tom monocromático.  Estamos a uma temperatura de 22 graus negativos (ainda bem que no cinema não se pode sentir isso).  Os turistas vão para lá para alguns dias de férias, mas a rigor não há nada a fazer, a não ser esquiar, comer, beber, descansar, já que não há o que ver.  Até aí, tudo bem.  Gosto é gosto e as pessoas curtem esse tipo de programa.

O estranhamento maior aparece quando as relações que envolvem uma família em férias – pai, mãe e um casal de filhos pequenos – são abaladas por uma questão de confiança.  Não se trata de infidelidade ou traição, nem algum desequilíbrio evidente, como bebedeiras ou alterações por outras drogas.  Não.  Trata-se de uma reação espontânea, indesejada, que pode até ser interpretada como uma resposta instintiva, mas que põe tudo a perder.  Ou se torna muito trabalhoso e difícil de reconstruir.  Quem vir o filme, verá do que se trata.




Quando há confiança entre pessoas muito próximas, como é o caso de um casal, ou de grandes amigos, a tendência é que as relações se transformem radicalmente logo em seguida ao fato gerador do abalo.  E não adianta evitar o assunto, fingir, fazer de conta de que nada importante aconteceu ou que é possível entender.  O cristal se partiu, a reparação se impõe e ela pode ser muito complicada.

Aliás, a simples menção de que algo parecido, em tese, poderia ocorrer com um outro casal da história, já abala quase do mesmo modo.  Se isso acontecesse, como eu reagiria?  O que você faria?  E já não se consegue dormir, só por conta disso.

“Força Maior”, pela densidade que coloca na questão relacional, bebe da fonte maior do cinema sueco: Ingmar Bergman.  Mas se vale de um outro tom, aparentemente despretensioso, banal até, engraçado também, mas irremediavelmente sério.  Pode-se brincar com expressões, estilo, linguagem dos personagens,  explorar o aparente absurdo de situações cotidianas, o que dá leveza ao desenrolar da narrativa.  Produz um clima estranho, meio surreal.  Você quase não acredita no que está vendo.  Mas, pensando bem, é fundamental falar disso.




A confiança está na base da nossa vida: sustenta amizades, casamentos, negócios, escolhas políticas.  A aparente materialidade numérica que aparece na economia, por exemplo, está toda dependente do fator confiança, capaz de produzir oscilações na Bolsa, nos outros investimentos, nas moedas, na inflação, no nível de emprego...

As relações pessoais só podem subsistir na base da confiança mútua.  Se ela se rompe, tudo pode acontecer.  O diretor Ruben Ostlund é bastante hábil para nos levar a ver essas coisas todas expressas nas pequenas, minúsculas questões, nas reações de cada um, no que não aparece claramente.  É um filme que prende do começo ao fim, sem ter de apelar para cenas de ação ou grandes acontecimentos.  Cinema de alta categoria.  Um dos destaques da 38ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. 



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