Antonio
Carlos Egypto
FORÇA MAIOR (Turist). Suécia, 2014.
Direção e roteiro: Ruben Ostlund.
Com Johannes Bah
Kuhnke, Lisa Loven Konglsi, Clara Wettergren.
118 min.
“Força Maior” é um filme sueco que surpreende em
muitos aspectos. A começar pelo
ambiente, onde ocorre a trama, uma estação de esqui que é pura neve, por todos
os cantos. Tudo é intensa e
reluzentemente branco: as montanhas, os caminhos, as pistas. Só o hotel e as construções para uso dos
turistas, onde predomina a madeira clara, quebram esse tom monocromático. Estamos a uma temperatura de 22 graus
negativos (ainda bem que no cinema não se pode sentir isso). Os turistas vão para lá para alguns dias de férias,
mas a rigor não há nada a fazer, a não ser esquiar, comer, beber, descansar, já
que não há o que ver. Até aí, tudo
bem. Gosto é gosto e as pessoas curtem
esse tipo de programa.
O estranhamento maior aparece quando as relações que
envolvem uma família em férias – pai, mãe e um casal de filhos pequenos – são
abaladas por uma questão de confiança.
Não se trata de infidelidade ou traição, nem algum desequilíbrio
evidente, como bebedeiras ou alterações por outras drogas. Não.
Trata-se de uma reação espontânea, indesejada, que pode até ser
interpretada como uma resposta instintiva, mas que põe tudo a perder. Ou se torna muito trabalhoso e difícil de
reconstruir. Quem vir o filme, verá do
que se trata.
Quando há confiança entre pessoas muito próximas,
como é o caso de um casal, ou de grandes amigos, a tendência é que as relações
se transformem radicalmente logo em seguida ao fato gerador do abalo. E não adianta evitar o assunto, fingir, fazer
de conta de que nada importante aconteceu ou que é possível entender. O cristal se partiu, a reparação se impõe e
ela pode ser muito complicada.
Aliás, a simples menção de que algo parecido, em
tese, poderia ocorrer com um outro casal da história, já abala quase do mesmo
modo. Se isso acontecesse, como eu reagiria? O que você faria? E já não se consegue dormir, só por conta
disso.
“Força Maior”, pela densidade que coloca na questão
relacional, bebe da fonte maior do cinema sueco: Ingmar Bergman. Mas se vale de um outro tom, aparentemente
despretensioso, banal até, engraçado também, mas irremediavelmente sério. Pode-se brincar com expressões, estilo,
linguagem dos personagens, explorar o
aparente absurdo de situações cotidianas, o que dá leveza ao desenrolar da
narrativa. Produz um clima estranho,
meio surreal. Você quase não acredita no
que está vendo. Mas, pensando bem, é
fundamental falar disso.
A confiança está na base da nossa vida: sustenta
amizades, casamentos, negócios, escolhas políticas. A aparente materialidade numérica que aparece
na economia, por exemplo, está toda dependente do fator confiança, capaz de
produzir oscilações na Bolsa, nos outros investimentos, nas moedas, na
inflação, no nível de emprego...
As relações pessoais só podem subsistir na base da
confiança mútua. Se ela se rompe, tudo
pode acontecer. O diretor Ruben Ostlund
é bastante hábil para nos levar a ver essas coisas todas expressas nas
pequenas, minúsculas questões, nas reações de cada um, no que não aparece
claramente. É um filme que prende do
começo ao fim, sem ter de apelar para cenas de ação ou grandes
acontecimentos. Cinema de alta
categoria. Um dos destaques da 38ª.
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
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