Antonio
Carlos Egypto
A PEDRA DE PACIÊNCIA (Syngué Sabour). Afeganistão/França, 2012. Direção: Atiq Rahimi. Com Golshifteh Farahani, Hamidreza Javdan,
Hassina Burgan, Massi Mrowat. 102 min.
Imagine-se vivendo uma vida cotidiana no
Afeganistão. Como o país está em guerra
constante, sua casa será parcialmente destruída, de tempos em tempos, andar na
rua será perigoso, pode faltar trabalho, dinheiro, água, víveres. Se você não é mulher, imagine-se sendo uma e
precisando da burca para sair da porta de casa em diante. No meio das lutas tribais, seu marido foi
baleado e segue vivo, mas em coma. E ele
tem de ficar em casa, não há hipótese de deslocá-lo ou obter um tratamento
hospitalar. Nessas condições, sobreviver
vai ser muito difícil, mas quem sabe possa lhe oferecer a possibilidade de
conversar com ele e abrir seu coração. Vocês estão casados há dez anos, mas ele
não a conhece e nem imagina o que já se passou com você ao longo desses anos,
ou antes deles. Se ele não puder ouvir,
pelo menos você fará uma terapia para aliviar sua carga tão pesada de vida.
Mas, à semelhança do trabalho de Pedro Almodóvar no
filme “Fale com Ela”, de 2001, é possível ter esperança de que, falando com
ele, enquanto provê o soro e cuida de seu corpo, a vida possa retornar e, quem
sabe, em outras bases, ao menos no relacionamento conjugal.
É por aí que vai o filme do escritor e cineasta
afegão Atiq Rahimi, nascido em Cabul em 1962, que vive na França, onde estudou
e trabalha, com dupla nacionalidade. Sua
história remete ao Afeganistão. “A Pedra
de Paciência” foi escrita por ele e roteirizada em conjunto com Jean-Claude
Carrière, um dos mais destacados roteiristas do cinema francês.
É uma narrativa tocante. Vivemos a vida de uma mulher desamparada, que
só pode contar com uma tia. No entanto,
para procurá-la, tem de se aventurar nas ruas belicosas da cidade, onde a morte
ronda a todo instante, e não sabe o que encontrará quando retornar. Pode ter sua casa invadida por soldados, terá
sempre o risco de ser estuprada, desrespeitada, e a burca que a cobre inteira
não a protege de nada. Apenas a oprime. Mas ela é forte. É uma personagem que briga pela vida, sob as
condições mais improváveis.
A jovem atriz que vive essa mulher é Golshifteh
Farahani, brilhante num papel em que ela trabalha sozinha a maior parte do
tempo: fala a um homem inerte. Ela
salienta a luta dessa personagem e a sua força, muito mais do que a sua
desgraça ou falta de perspectivas. Isso
dá ao filme uma dimensão extremamente interessante e nos envolve com a
personagem. E ainda nos dá uma boa noção
do que é viver em alguns países do mundo tomados pelas invasões estrangeiras,
pelas guerras internas, pelos fundamentalismos étnicos e religiosos. Quem sofre são as pessoas simples do povo, a
quem não se dá o direito de uma vida minimamente respeitável, digna,
corriqueira. De uma vida humana, enfim.
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