terça-feira, 22 de julho de 2014

AMAR, BEBER E CANTAR


Antonio Carlos Egypto



AMAR, BEBER E CANTAR (Aimer, Boire et Chanter).  França, 2013.  Direção: Alain Resnais.  Com Sabine Azéma, Hippolyte Girardot, Caroline Silhol, André Dussolier, Sandrine Kiberlain, Michel Vuilermoz.  112 min.


“Amar, Beber e Cantar” é o último filme do mestre do cinema Alain Resnais, realizado aos 90 anos de idade, um ano antes de sua morte.  É uma pena, e é triste, que seja o último.  A contribuição de Resnais para o cinema é imensa e seu trabalho, sempre inovador, fará muita falta.  Essa contribuição já vem de longe, alcançando seu auge em 1959 e 1961, com os clássicos “O Ano Passado em Marienbad” e “Hiroshima, Mon Amour”, filmes que implodiram a narrativa clássica e abriram novas perspectivas para o uso do tempo no cinema.  Se tivesse feito só isso, já teria deixado uma grande e decisiva marca histórica.  Mas não, ele trabalhou o tempo todo, realizando filmes incríveis e marcantes, década após década.  “Providence”, de 1976, e “Meu Tio da América”, de 1980, estão entre os muitos que eu poderia citar.  Mas eu gostaria de lembrar que seus últimos filmes são grandes realizações também.  O final de sua produção artística, na verdade, foi um novo auge.  A idade avançada pode produzir trabalhos sólidos e espetaculares, como os dele e de Manoel de Oliveira.  “Medos Privados em Lugares Públicos”, de 2006, “Ervas Daninhas”, de 2009, e “Vocês Ainda Não Viram Nada”, de 2012, (todos com críticas publicadas no cinema com recheio) são pérolas de humanismo e humor inteligente e complexo.  “Vocês Ainda Não Viram Nada” é também uma elegia ao teatro, o que se repete em  “Amar, Beber e Cantar”.




Aqui, George, o personagem ausente, está com os dias contados.  O câncer que o acometeu só lhe possibilita poucos meses de vida.  Seus amigos procuram oferecer-lhe o que de melhor puderem, para que esse final lhe seja agradável.  E descobrem que o teatro amador que estão ensaiando poderia incluí-lo e dar-lhe novo alento, a proximidade e a afetividade de amigos de toda uma vida.  O teatro como elemento motivador, salvador. 

Por meio desses amigos e o que vai se passando com eles, vamos conhecendo melhor George.  Descobrimos, por exemplo, que ele é sedutor, mulherengo, desorganizado, impontual, e gosta de dormir até tarde, entre outras coisas.  É notável como isso se revela pelo comportamento dos seres com quem ele se relaciona.  Também podemos avaliar a performance artística dele e dos outros na peça que nunca é mostrada.  Só a decoração de trechos do texto aparece, além de um pequeno ensaio de diálogo que, na verdade, expõe a relação do casal de atores fora da peça.




O teatral está também nos cenários adotados: cortinas na forma de painéis estapam diferentes casas, simples ou suntuosas, o ambiente do campo, o acesso ao teatro.  A mudança de cena se faz por meio de desenhos realizados a partir de construções reais, incluindo os elementos que fazem parte dos cenários utilizados no filme.  Uma estrada cercada de verde, por onde circula um veículo que não é mostrado, também divide as cenas, pontuando os deslocamentos.  Passa pela cidade e suas belas construções em York, na Inglaterra, ou no ambiente campestre.

Os papéis dos personagens da trama são vividos por grandes atores e atrizes franceses, colaboradores habituais do diretor.  Suas atuações, impecáveis como sempre, dispensam maiores comentários.  Nos filmes de Alain Resnais o que não falta é talento interpretativo.  O fato de ele se valer quase sempre dos mesmos atores e atrizes, sobretudo nos filmes da última fase, parece facilitar e garantir isso.  Percebe-se uma relação de confiança e cumplicidade, um caráter de equipe nos desempenhos.  Tudo flui com facilidade.


ALAIN RESNAIS

O humor com que são tratados assuntos aparentemente trágicos, ou pelo menos complicados, como as infidelidades e mágoas passadas, além da morte iminente, torna o filme mais do que sedutor.  Alain Resnais, nesses seus trabalhos mais recentes, incluindo esse último, tem uma leveza profunda, que é uma coisa admirável.  É preciso muito lastro para chegar a um resultado assim.  Que, no entanto, parece tão simples.  Uma lástima que acabe por aqui.  Resta-nos, agora, rever a sua obra excepcional, para lembrar que foi um dos maiores cineastas de todos os tempos.  E que, felizmente, viveu bastante e produziu muito.  O cinema, a arte, a cultura, são gratos a Alain Resnais.



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