Antonio Carlos Egypto
FAROESTE CABOCLO.
Brasil, 2012. Direção: René Sampaio.
Roteiro: Marcos Bernstein e Víctor Atherino, com base em música de
Renato Russo. Com Fabrício Boliveira,
Ísis Valverde, Felipe Abib, Marcos Paulo, Antônio Caloni, César Trancoso. 105 min.
“Faroeste Caboclo”, a música de Renato Russo, foi um
rock de sucesso do Legião Urbana, dos
anos 1980. Composto em 1979, tem uma
narrativa que lembra o cordel, uma letra quilométrica, de 159 versos, e a
duração de 9 minutos. Conta a saga de
João de Santo Cristo, desde sua infância na Bahia à sua trajetória em Brasília,
seu amor por Maria Lúcia, desejada também por Jeremias, o traficante que a
engravida. Tudo acaba num duelo, como
convém aos westerns.
Uma música assim, convenhamos, já é um roteiro de
cinema. Portanto, que ela tenha virado
filme pode-se até dizer que demorou para acontecer. Segundo o diretor René Sampaio não seria
possível fazer um videoclipe de 100 minutos, a partir de uma música de 9. Foi preciso criar uma narrativa dramática
apropriada à linguagem cinematográfica, o que supõe a adaptação da obra
musical. Mas ele diz que procurou, ao
mesmo tempo, seguir com fidelidade a história original.
De que se compõe o faroeste: Brasília, estertores da
ditadura, cidade sem lei, sem escrúpulos, onde quem tem poder manda e a polícia
executa a lei dos mais fortes. De um
lado, os políticos, representados pelo senador, pai de Maria Lúcia, papel do
ator Marcos Paulo, falecido em 2012, em seu último trabalho. De outro, os traficantes em disputa.
O anti-herói da saga, João do Santo Cristo (Fabrício
Boliveira) é o protagonista
marceneiro/traficante/bandido/negro/discriminado. O que dá margem a incluir, na questão da
repressão política, o problema do racismo. Maria Lúcia (Ísis Valverde) é a
mocinha maconheira da alta, que ama o “bandido”, mas se casa com o playboy
traficante do mesmo estrato social, Jeremias (Felipe Abib). Uma mocinha nada convencional nas atitudes.
João do Santo Cristo vai se contrapor a Jeremias, não
só por Maria Lúcia, mas numa espécie de luta de classes, tendo a disputa do
tráfico de drogas como referência. O
ator uruguaio César Transcoso faz o primo traficante, que abre espaço para
Santo Cristo ser alguém no jogo pesado dessa Brasília.
O filme, como a música, não tem propriamente mocinhos
e bandidos. O “Faroeste Caboclo” aqui
flerta mais com a questão social e política daquele período brasileiro. Mas o gênero tradicional do western está garantido. Tem violência, tiroteios, mortes, perseguições, com tudo bem dosado. Sem exageros ou espetacularização, seja nas
cenas de violência, seja nas de sexo. Um
filme equilibrado e bem dirigido, com muito empenho do elenco. Fabrício Boliveira e Ísis Valverde compuseram
personagens com nuances e ambiguidades,
fugindo dos estereótipos. E todos os
demais papéis seguem na mesma linha.
Constrói-se, assim, um filme de gênero devidamente atualizado.
Depois de “Somos Tão Jovens”, que recriou vida e obra de Renato Russo, agora é a vez de
reinventar seu grande sucesso, “Faroeste Caboclo”. É hora e vez de homenagear Renato Russo,
grande talento do rock brasileiro. Ele
teve sorte: tem dois filmes bem
produzidos, lançados praticamente ao mesmo tempo, para relembrar sua música,
sua figura, seu trabalho artístico.
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