Antonio Carlos Egypto
NA NEBLINA (V
Tumane). Rússia, Alemanha, Bielorrússia,
2012. Direção e roteiro: Sergei
Loznitsa. Com Vladimir Svirski, Vlad
Abashir, Sergei Kolesov, Vlad Ivanov.
127 min.
O contexto é a Segunda Guerra Mundial, ano 1942. Fronteiras ocidentais da União Soviética
ocupadas pelos alemães. Um cara marcado
para morrer, por ter sido julgado traidor da resistência bielorrussa aos
alemães, é buscado em casa, para ser fuzilado por um amigo de infância e outro
colega que o acompanha, cumprindo ordens do comando dos resistentes. Antes de morrer, ele cavará sua própria
cova. Uma circunstância fortuita, porém,
decorrente da guerra, impede a execução e inverte os papéis. Caberá a ele ajudar e proteger aquele que
deveria tê-lo executado. Já temos aí um
dilema importante: como relações afetivas de longa data entram na ética da
resistência e da guerra? Como posso ajudar a sobreviver o amigo que queria me
matar? E se ânimos quentes impedem
enxergar que a vida não se divide em quem está do meu lado ou quem está do
outro lado? Julgar com base num
posicionamento assim pode ser um desastre, levar a injustiças e tragédias.
Se alguém sobrevive sem saber muito bem por quê,
enquanto seus companheiros são julgados e enforcados, como poderá viver depois
disso? O que terá feito – ou deixado de
fazer – para escapar? Essa pergunta
estará na cabeça das pessoas com quem convive, na comunidade e nele próprio. Até que ponto vale a pena viver, quando se
perde a dignidade e a confiança das pessoas, quando se perde a própria
identidade? Mas será justo arcar com
todas essas consequências, sem ter clareza do que aconteceu?
Essas são algumas das intrigantes questões que
perpassam o filme “Na Neblina”, do bielorrusso Sergei Loznitsa, um trabalho
cinematográfico de primeira qualidade.
Quase todas as cenas que tratam desses dilemas se passam na floresta, o
que contribui para que o diretor possa captar belas imagens e fazer lindos
enquadramentos. A ótima fotografia, de
cores sóbrias, enfatiza a dureza da trama.
O ritmo da narrativa, os planos-sequência e a sutileza de contar grande
parte do que acontece fora do quadro, somente pelo recurso do som, fazem desse
filme uma obra de arte, a meu ver, muito superior ao primeiro longa do diretor:
“Minha Felicidade”, de 2010. Não que
naquele filme ele não demonstrasse o seu talento de diretor para lidar com as
imagens e com os climas da história, mas era um filme sem sutilezas, de um
pessimismo exasperante, que só conseguiu mostrar o mal que há no mundo, ou no
contexto russo, e nas pessoas.
“Na Neblina” não é um filme otimista, por certo. Mas aqui os personagens têm história pessoal,
profundidade e consistência humanas. São
complexos, não estereótipos ou meras encarnações do mal, não importando se
justificadas pelo momento histórico-social.
O que aqui se refere à Segunda Guerra Mundial caberia
para muitas outras situações, e não só de guerra. Porque lida com aspectos importantes do
psiquismo humano em situações-limite, em que a sobrevivência está inteiramente
em jogo e a morte é um elemento muito presente, tanto na realidade palpável
quanto no mundo interno dos personagens, uma cogitação no plano
ético-filosófico.
Impossível não considerar a perspectiva de que há
situações em que morrer pode ser muito melhor do que continuar vivo. E não só por razões biológicas, por
limitações que impeçam o usufruir da existência. Mas também, talvez principalmente, por razões
de ordem moral. Permanecer vivo pode se
tornar uma tarefa insuportável, um fardo pesado demais para se carregar. Celebrar a vida é o que há de melhor e mais
empolgante para o ser humano. Mas nenhum
conceito, nem mesmo esse, pode ser inquestionável. Não se pode viver a qualquer preço, dentro ou
fora da guerra. A decisão se fará na neblina, onde não pode estar tudo
claro. Portanto, sempre será difícil
saber se a decisão tomada foi a melhor para a circunstância.
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