segunda-feira, 11 de março de 2013

NA NEBLINA


                                     
Antonio Carlos Egypto


NA NEBLINA (V Tumane).  Rússia, Alemanha, Bielorrússia, 2012.  Direção e roteiro: Sergei Loznitsa.  Com Vladimir Svirski, Vlad Abashir, Sergei Kolesov, Vlad Ivanov.  127 min.



O contexto é a Segunda Guerra Mundial, ano 1942.  Fronteiras ocidentais da União Soviética ocupadas pelos alemães.  Um cara marcado para morrer, por ter sido julgado traidor da resistência bielorrussa aos alemães, é buscado em casa, para ser fuzilado por um amigo de infância e outro colega que o acompanha, cumprindo ordens do comando dos resistentes.  Antes de morrer, ele cavará sua própria cova.  Uma circunstância fortuita, porém, decorrente da guerra, impede a execução e inverte os papéis.  Caberá a ele ajudar e proteger aquele que deveria tê-lo executado.  Já temos aí um dilema importante: como relações afetivas de longa data entram na ética da resistência e da guerra? Como posso ajudar a sobreviver o amigo que queria me matar?  E se ânimos quentes impedem enxergar que a vida não se divide em quem está do meu lado ou quem está do outro lado?  Julgar com base num posicionamento assim pode ser um desastre, levar a injustiças e tragédias.

Se alguém sobrevive sem saber muito bem por quê, enquanto seus companheiros são julgados e enforcados, como poderá viver depois disso?  O que terá feito – ou deixado de fazer – para escapar?  Essa pergunta estará na cabeça das pessoas com quem convive, na comunidade e nele próprio.  Até que ponto vale a pena viver, quando se perde a dignidade e a confiança das pessoas, quando se perde a própria identidade?  Mas será justo arcar com todas essas consequências, sem ter clareza do que aconteceu? 




Essas são algumas das intrigantes questões que perpassam o filme “Na Neblina”, do bielorrusso Sergei Loznitsa, um trabalho cinematográfico de primeira qualidade.  Quase todas as cenas que tratam desses dilemas se passam na floresta, o que contribui para que o diretor possa captar belas imagens e fazer lindos enquadramentos.  A ótima fotografia, de cores sóbrias, enfatiza a dureza da trama.  O ritmo da narrativa, os planos-sequência e a sutileza de contar grande parte do que acontece fora do quadro, somente pelo recurso do som, fazem desse filme uma obra de arte, a meu ver, muito superior ao primeiro longa do diretor: “Minha Felicidade”, de 2010.  Não que naquele filme ele não demonstrasse o seu talento de diretor para lidar com as imagens e com os climas da história, mas era um filme sem sutilezas, de um pessimismo exasperante, que só conseguiu mostrar o mal que há no mundo, ou no contexto russo, e nas pessoas.




“Na Neblina” não é um filme otimista, por certo.  Mas aqui os personagens têm história pessoal, profundidade e consistência humanas.  São complexos, não estereótipos ou meras encarnações do mal, não importando se justificadas pelo momento histórico-social.

O que aqui se refere à Segunda Guerra Mundial caberia para muitas outras situações, e não só de guerra.  Porque lida com aspectos importantes do psiquismo humano em situações-limite, em que a sobrevivência está inteiramente em jogo e a morte é um elemento muito presente, tanto na realidade palpável quanto no mundo interno dos personagens, uma cogitação no plano ético-filosófico.





Impossível não considerar a perspectiva de que há situações em que morrer pode ser muito melhor do que continuar vivo.  E não só por razões biológicas, por limitações que impeçam o usufruir da existência.  Mas também, talvez principalmente, por razões de ordem moral.  Permanecer vivo pode se tornar uma tarefa insuportável, um fardo pesado demais para se carregar.  Celebrar a vida é o que há de melhor e mais empolgante para o ser humano.  Mas nenhum conceito, nem mesmo esse, pode ser inquestionável.  Não se pode viver a qualquer preço, dentro ou fora da guerra.  A decisão se fará na neblina, onde não pode estar tudo claro.  Portanto, sempre será difícil saber se a decisão tomada foi a melhor para a circunstância.



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