domingo, 3 de março de 2013

ATRÁS DA PORTA

                    
Antonio Carlos Egypto





ATRÁS DA PORTA (The Door).  Hungria, 2012.  Direção: István Zsabó.  Com Helen Mirren, Martina Gedeck, Károly Eperjes.  98 min.



O cineasta húngaro István Szabó, realizador de “Atrás da Porta”, filmado em inglês, é o mesmo de dois grandes êxitos artísticos dos anos 1980: “Mephisto”, de 1981, e “Coronel Redl”, de 1985.  É também o diretor de “Encontro com Vênus”, de 1991, e “Adorável Júlia”, de 2004, entre muitos outros trabalhos cinematográficos.  Tem uma equipe técnica que atua afinada com ele há muitos anos, que varia pouco.  É também considerado um grande diretor de atrizes e atores.

No caso desse “Atrás da Porta”, esse talento na condução de atrizes talvez nem fosse assim tão necessário.  Helen Mirren sabe tudo o que tem de fazer quando constrói seus personagens.  E a alemã Martina Gedeck não fica atrás, é muito boa, também.  Ela atuou, por exemplo, em “A Vida dos Outros”, de Florian Henckel von Donnersmarck, de 2006, um filme muito apreciado por aqui.




Essas duas ótimas atrizes têm de segurar o filme, já que é da relação estranha, conturbada e afetiva entre seus dois personagens, que transita toda a narrativa.  Magda (Martina Gedeck) é uma escritora que está tentando construir seu sucesso, apesar das limitações que lhe são impostas pelo regime comunista húngaro do pós-guerra, autoritário e controlador.  É uma intelectual casada com um outro intelectual e que precisa de ajuda doméstica para se desenvolver no trabalho literário.  Uma empregada/governanta, que lhe permita dispor do seu tempo para o que a mobiliza, a função de escrever.

Essa ajudante é Emerenc (Helen Mirren), uma camponesa de aparência e modos rudes, que está distante do mundo de Magda.  Ela entende a vida, a natureza, as nuvens, as estrelas e, sobretudo, os animais.  E tem uma história passada de horrores e descobertas emocionantes, que vai aparecendo aos poucos ao longo da trama.  E que remete à própria história da Hungria, no século XX: stalinismo, o cerco a Budapeste, a invasão nazista fazem parte disso.  Na verdade, ela é uma pessoa muito vinculada às suas perdas.




A par das diferenças de classe, evidentes o tempo todo, estabelece-se uma relação pessoal de estranhamento, disputa de poder, mas de uma amizade incomum, de forma até surpreendente.  Uma quer mudar a outra, o tempo todo, o que se constitui num disparate.  Ninguém pode querer mudar o outro à sua imagem e semelhança.  No entanto, é isso que faz com que ambas resistam e, ao mesmo tempo, avancem.  Entre elas há uma porta que não se abre nunca e esconde segredos.  Considerações éticas, que se colocam continuamente, levarão a um desfecho complexo e trágico, que não é óbvio, nem previsível.  Tem a ver com a incapacidade de entender plenamente a alteridade.

O filme é baseado num romance húngaro muito famoso, escrito por Magda Szabó: “A Porta”.  O produto artístico que resultou de alta literatura, grandes interpretações das atrizes e um diretor capaz de produzir imagens de grande impacto e beleza, é dos melhores.  Psiquismo e história se entrelaçando e dando densidade a uma obra que fala por suas imagens e pela sutileza das interpretações, em que se sobressai a eficiência interpretativa de Helen Mirren.  Sua Emerenc, cheia de nuances, mistérios, contradições aparentes, e que se transforma ao longo da narrativa, é um trabalho para ser muito lembrado e premiado.




“Atrás da Porta” é uma produção húngaro-alemã, filmada nas cidades de Budapeste, a capital da Hungria, e Colônia, a cidade alemã que deu origem à famosa água de colônia, no caso, a 4711.  Mas isso já é uma outra história, que não tem nada a ver com o filme, nem há qualquer merchandising do produto nele.  Foi só uma lembrança.


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