quinta-feira, 3 de maio de 2012

UMA LONGA VIAGEM

Antonio Carlos Egypto




UMA LONGA VIAGEM.  Brasil, 2011.  Direção: Lúcia Murat.  Documentário.  Com Caio Blat.  97 min.


“Uma Longa Viagem” é um documentário que conta com a participação de um ator, Caio Blat, por sinal premiado por sua atuação nesse filme, no Festival de Gramado 2011.  Curioso, não?  A verdade é que, cada vez mais, ficção e documentário se entrelaçam, deixando os limites entre eles muito tênues.
Podemos partir do princípio de que toda ficção vem de alguma forma da percepção do real, mesmo que esse real possa ser sonho ou imaginação.  O registro documental da chamada realidade é também uma escolha de objeto, visto de um determinado ângulo, perspectiva político-ideológica, ponto de vista filosófico, visão de mundo, crença em alguma verdade.  Enfim, a verdade é aquilo que a gente acredita que é, por mais objetivos que possam ser os fatos relatados.

“Uma Longa Viagem” aborda questões muito sérias.  Lúcia Murat, a diretora do longa documental, revisita seu passado familiar e sua militância política de resistência à ditadura militar, prisão e tortura.  Focaliza, porém, seu irmão caçula, Heitor, o que deu literalmente a volta ao mundo, conheceu e viveu algum tempo em países como a Índia,a Indonésia,o Paquistão e o Afeganistão, antes de Bin Laden e Bush, além das tradicionais experiências europeias, americanas e da Oceania, bem mais comuns.
Sem se preocupar em fixar raízes ou estabelecer projetos onde quer que estivesse, Heitor empreendeu uma longa jornada, que envolveu todo o tipo de experiências e o consumo de drogas em profusão, arriscando-se a ser preso (o que efetivamente ocorreu, algumas vezes) e a ter sua saúde fortemente abalada até o limite da loucura, da perda de faculdades mentais importantes.  Sobreviveu e está dando seu depoimento no filme, relembrando uma história incrível e cheia de significados existenciais.  Em busca de quê, mesmo?  Do autoconhecimento, de alguma forma, e de seu lugar no mundo, talvez.  Ou, quem sabe, em busca da própria razão de existir, se é que ela existe.
Lúcia Murat se vale de muitos registros familiares e do convívio que teve com o irmão mais velho, Miguel, médico já falecido, e como  se relacionaram com esse irmão aventureiro, enquanto no Brasil o regime autoritário apertava o cerco e fechava os caminhos da liberdade, tão buscada por Heitor.  O início da longa viagem dele foi o fatídico ano de 1969, que marcou o recrudescimento da repressão e a consequente luta armada.
Vídeos da época, imagens dos lugares visitados pelo irmão, suas cartas constantes, servem à reconstituição do período de juventude dela e dos irmãos.  É aí que entra Caio Blat, representando Heitor jovem, e colocado em frente às cenas projetadas, interagindo com elas. É realmente um belo trabalho do ator, que injeta vida nova e juventude a essa história de viagens intermináveis e à tentativa de entendê-las, pelo menos em parte, pela diretora e por seu trabalho cinematográfico.

Compartilhamos com ela de suas vivências, dores, preocupações, perplexidades e buscas.  E a longa viagem passa rápido, porque tudo isso soa cativante, misterioso, e é um resgate de uma época histórica e de formas de se relacionar com ela.  Ultrapassam em muito os limites familiares ou experiências pessoais, porque envolveram uma geração de pessoas que, até hoje, buscam entender o que foi tudo aquilo, as angústias que todos sentimos e o modo como cada um pôde responder a isso.
O registro de Lúcia Murat é desapaixonado, pelo menos na aparência.  Não faz julgamentos, não se coloca no centro da história, nem procura nos convencer de coisa alguma.  Os fatos e relatos são bastante eloquentes, têm tal importância que dispensam maiores explicações. 
Além do prêmio de ator para Caio Blat, “Uma Longa Viagem” foi premiado com o Kikito de Melhor Longa-Metragem, na 39ª. edição do Festival de Gramado,em 2011.

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