Antonio Carlos Egypto
CAIRO 678 (678). Egito, 2011. Direção e roteiro: Mohamed Diab. Com Nelly Karim, Bushra, Maged El Kedwany, Ahmed El Fishawy. 110 min.
“Cairo 678” é um filme egípcio que trata do tema do assédio sexual a que estão sujeitas diariamente as mulheres no Cairo, com seu ritmo de cidade grande. Os comportamentos masculinos exibidos pela película, porém, não deixam dúvida de que isso deve se estender a todo o país e tem uma dimensão que extrapola fronteiras geográficas. É daqueles temas em que falar da sua aldeia é falar ao mundo.
O assédio sexual é mostrado por meio de três mulheres que vivem vidas bem diferentes e pertencem a estratos socioeconômicos distintos.
Fayza é pobre, anda de ônibus e dia após dia é molestada por alguém na condução, sempre superlotada. O assédio aí é caracterizado pelo que se chama de froteurismo, ou seja, a busca de um prazer através do contato corporal forçado, sem consentimento da outra pessoa. Geralmente são homens que apertam ou se esfregam numa mulher, aproveitando situações que envolvem muita gente, como ônibus cheios, elevadores e outros. Há homens que procuram esfregar o pênis contra o corpo de uma mulher vestida (e geralmente desconhecida), para alcançar o orgasmo. Ou tocam nos seios ou nos genitais de alguém que não espera tal contato.
É por esse tipo de assédio que passa Fayza, além de observar o mesmo acontecendo com outras mulheres, sem que nada se faça para impedir os fatos. Como reagir a isso e viver em paz? É o que Fayza se pergunta. Seba talvez tenha a resposta.
Seba, que também já foi molestada em campo de futebol, é uma espécie de militante feminista que batalha pelo direito das mulheres em cursos que ministra e, também, por meio de programas de TV. Ela apresenta incrível firmeza no trato com esse tema, sólida, teoricamente. Na prática, porém, as coisas podem ser mais difíceis do que ela mesma imagina.
Nelly tem um padrão de vida que não a expõe aos ônibus lotados. Mas é assediada na rua, com cantadas desrespeitosas, e tocada de forma agressiva e humilhante. Resolve ir em busca de seus direitos legais e procura abrir um processo de assédio sexual. A dificuldade é enorme e ela descobre, surpreendida, que nunca houve um processo como esse na história do Egito. Ela seria a primeira a concretizá-lo, enfrentando um tabu, fortemente protegido pelas famílias e pelas próprias instituições do país. A tradição diz que é vergonhoso admitir que se sofreu assédio, culpabilizando as vítimas.
Os três personagens femininos se relacionarão num embate cultural, político e legal, da maior importância, pelo respeito no espaço público e punição ao machismo disseminado e tacitamente aceito em sua cultura, tendo o assédio sexual no centro de toda a história. Uma ideia muito feliz e corajosa do diretor Mohamed Diab, ao trazer à luz e enfrentar a questão num filme bem estruturado, com situações e personagens convincentes e consistentes.
O foco no tema do assédio sexual foi apropriado, o filme não se perdeu em didatismo ou teorizações. Ele é todo centrado numa trama que o espectador acompanha com interesse, ao mesmo tempo em que toma conhecimento de uma realidade, geralmente escamoteada, que pode estar muito próxima de todos. Não é preciso ir ao Egito, talvez baste enfrentar o metrô superlotado de São Paulo para passar por isso ou para observar situações similares.
Se os costumes e as leis divergem, nem por isso as diferenças com a nossa realidade são assim tão grandes. Vale a pena ver o filme e pensar no assunto que ele aborda. O diretor estreia em longa-metragens, mas é competente, sabe do que está falando. Vai longe.
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