Antonio Carlos Egypto
UM CONTO CHINÊS (Un Cuento Chino). Argentina, 2010. Direção e roteiro: Sebastian Borensztein. Com Ricardo Darín, Huang Sheng Huang, Muriel Santa Ana. 100 min.
Roberto (Ricardo Darín) é um cara solitário e amargurado, que guarda fortes e tristes lembranças de um passado recente da Argentina. Está convencido de que todo mundo é sacana e que quem puder passa a perna no outro. Ele tem uma loja de ferragens e constata que a humanidade não merece mesmo crédito, numa cena bem bolada do filme. Vê-se Roberto contando pregos, um a um, até chegar a 323 e a verificação de que na caixa do produto havia a informação de 350 pregos. Telefona furioso ao fornecedor, que pergunta, perplexo: Mas o senhor contou os pregos?
Roberto coleciona notícias estranhas, terríveis, de todo o mundo, que comprovam sua tese de que a humanidade, decididamente, não deu certo. Até notícias fantásticas que acabam em tragédia lhe interessam, como uma vaca que caiu do céu, na China, a primeira cena mostrada no filme.
Isso, apresentado no começo da fita, mostra com quem estamos lidando. Mas a obsessividade do personagem é mostrada em outra cena cinematograficamente interessante. Ele dorme pontualmente às 23:00 h, todos os dias, ele já está na cama, mas só apaga a luz quando o relógio digital marca 23:00.
Pois é esse personagem que enfrentará uma situação curiosa: um chinês de 25 anos, de nome Jun (Huang Sheng Huang) é roubado e arremessado de um táxi em Buenos Aires, na cara de Roberto. O que fazer com um chinês desamparado e perdido, que não tem dinheiro e não fala uma palavra de espanhol? Deixá-lo às traças, na rua? É crueldade demais, até para o obsessivo e desconfiado Roberto.
Descobrir com muito custo que o chinês busca um tio que mora na cidade será que resolve alguma coisa? Claro, pode-se recorrer à polícia, à embaixada chinesa, ir ao bairro chinês em busca de ajuda e até encontrar um entregador de restaurante de comida chinesa, que fale a língua. Mas que é uma complicação dos diabos, que mexe com a vida de alguém tão solitário e regrado, não há a menor dúvida.
A partir dessa situação cômico-trágica, “Um Conto Chinês” apresenta uma trama bem amarrada, o que supõe um roteiro cuidadosamente construído, em que os poucos diálogos , a mímica e as expressões faciais se destacam.
O desempenho dos atores para criar o clima de estranhamento no relacionamento conta muito. O talentoso e onipresente no cinema argentino Ricardo Darín, como sempre, tem uma atuação magnífica. Huang Sheng Huang comove na criação de um tipo tão vulnerável e, ao mesmo tempo, afável, resignado, colaborador. O inusitado desse convívio mantém a atenção do filme, do início ao fim.
Há uma trama paralela, a de uma parente de um vizinho, atraente e sedutora, vivida por Muriel Santa Ana, que dá em cima de Roberto, sem muito sucesso. E acaba se interessando também por conviver com o chinês, levando-o a passear e experimentar comidas típicas.
A situação é toda tão estranha que só poderia, mesmo, ser objeto de uma comédia. Mas aqui é tudo muito sutil, só se produzem sorrisos, não gargalhadas, e isso se faz com delicadeza e inteligência, sem apelar para nenhum dos recursos grosseiros, tão comuns nas comédias usuais da atualidade. E o que é melhor: sem clichês ou preconceitos, o que seria uma solução fácil para o caso.
Quando estereótipos aparecem na história, é para mostrá-los criticamente ou para apontar que eles resultam do desconhecimento ou da ignorância de certas coisas. Isso vale também para a descrença absoluta do personagem principal na humanidade. Quando a gente pensa que sabe tudo, descobre que, na verdade, pouco entende das coisas.
Como é quase de praxe, o filme informa que se baseou numa história real. É tudo tão plausível, que dá para acreditar. Mas, não importa: tenha acontecido ou não, dessa forma ou parecido com isso, a história é ótima e merecia virar filme. Se for fruto exclusivo da imaginação de alguém, mais criativo fica.
O que sei é que Sebastian Borensztein, diretor e roteirista de “Um Conto Chinês”, mostrou grande competência nesse trabalho. A divulgação da Paris Filmes informa que mais de um milhão de pessoas viram o filme nos cinemas argentinos. Sucesso merecido.
sexta-feira, 2 de setembro de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário