quarta-feira, 6 de abril de 2011

TANCREDO, A TRAVESSIA

Antonio Carlos Egypto


TANCREDO, A TRAVESSIA. Brasil, 2010. Direção: Sílvio Tendler. Documentário. 90 min.


Tancredo Neves, o presidente eleito que morreu sem poder tomar posse e comoveu a nação, foi um político notável que participou ativamente da história recente do Brasil. É da trajetória política de Tancredo Neves (1910-1985) que trata o documentário de Sílvio Tendler, que integra o Festival “É Tudo Verdade”, 2011.

Tancredo era ministro de Getúlio Vargas, em 1954, quando o presidente gaúcho enfrentava uma enorme crise, que levaria ao seu suicídio. O filme apresenta uma recriação da famosa reunião do ministério Vargas, em que o presidente ouviu os seus ministros e, entre a renúncia ou a resistência ao golpe que viria, supostamente Getúlio pediria uma licença. Tancredo votou pela resistência e recebeu do próprio presidente a caneta utilizada para assinar a carta-testamento, que acompanhou o gesto suicida.

Tancredo foi um dos artífices da campanha e um dos colaboradores mais próximos de Juscelino Kubitschek, ambos mineiros e do PSD. Participou intensamente do governo desenvolvimentista de JK e foi a última personalidade política que o ex-presidente viu antes de partir para o exílio.

Com a eleição de Jânio Quadros e a crise que se estabeleceu com a sua renúncia, Tancredo terá papel decisivo na posse de João Goulart, o vice-presidente eleito, negociando a solução parlamentarista e vindo a ser primeiro ministro de Jango.

Com o advento da ditadura militar, Tancredo escapa da cassação, possivelmente por seus vínculos indiretos de parentesco com o primeiro presidente do regime: Humberto de Alencar Castelo Branco. Hiberna pelo Congresso Nacional esvaziado e ajuda a organizar a oposição consentida, o MDB. Elege-se governador de Minas Gerais.

Quando as circunstâncias políticas permitirem, será um dos principais organizadores da campanha pela eleição direta à presidência da República: a memorável Campanha das “Diretas Já”. No entanto, não descarta o plano B: a disputa das eleições indiretas, caso não vencesse a emenda Dante de Oliveira. Acaba sendo o candidato de consenso dessa eleição indireta e, derrotando Paulo Maluf, o candidato oficial do partido governista, se elege presidente para realizar a travessia da ditadura para a democracia, de que hoje desfrutamos.

Quis o destino que esse papel acabasse cabendo a seu vice, José Sarney. Tancredo teria muito mais representatividade para ter capitaneado essa travessia. Mas o sacrifício pessoal de sua saúde acabou sendo uma garantia dessa mesma travessia.

Um político dessa estatura e com essa experiência merece mesmo ser lembrado e valorizado num trabalho documental como esse, que resgata de forma didática momentos decisivos da História do Brasil, que contaram com a participação de Tancredo Neves.

O resgate de material de arquivo abundante, extraído em grande parte dos noticiários televisivos, aparece claro e bem organizado. Para quem viveu grande parte desses momentos históricos é um resgate emocional também. Quem não se emociona até hoje com a canção de Milton Nascimento, “Coração de Estudante”, que serviu de trilha sonora para o féretro de Tancredo? Ou da voz de Fafá de Belém, entoando o Hino Nacional?

Os mais jovens certamente terão com o filme uma aula de história. Aliás, o filme merece ser utilizado por professores, em aulas de História do Brasil, porque ele mostra o processo vivido pelo país nesse período e que poderia ser complementado com informações e organizando debates com os alunos. É a história viva que está lá.

Para os mais jovens, podem parecer eventos distantes, mas é importante mostrar que aquilo de que podemos desfrutar hoje deriva diretamente desse processo, que teve em Tancredo Neves um de seus principais personagens.

É mais um trabalho competente do documentarista Sílvio Tendler, resgatando a história política do Brasil, a exemplo do que já havia feito nos filmes “Os Anos JK”, de 1980, e “Jango”, de 1984.



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