Antonio Carlos Egypto
AMOR? Brasil, 2010. Direção: João Jardim. Com Lilia Cabral, Eduardo Moscovis, Letícia Colin, Claudio Jaborandy, Sílvia Lourenço, Fabiula Nascimento, Mariana Lima, Ângelo Antônio e Julia Lemmertz. 100 min.
“Amor?” reúne depoimentos verdadeiros e contundentes de pessoas que viveram experiências amorosas pautadas, de algum modo, pela violência. Daí a interrogação que aparece ao lado da palavra amor. Esse tipo de vínculo com a violência pode ser chamado de amor?
Ciúme, por exemplo, é prova de amor, imaturidade, insegurança, ou um comportamento claramente doentio? O sadomasoquismo como expressão do desejo sexual é evidentemente compartilhado e consentido, salvo exceções, onde a dominação se impõe por alguma outra modalidade de poder, externa à relação. Mas esse tipo de desejo pode ser chamado de amor?
Se a agressão se torna uma espécie de dependência que parece escapar ao próprio controle do indivíduo, como ficam seus parceiros? Cabe a eles dar o limite ou incentivar a pancadaria? E isso é amor? Trair para se afirmar é um jeito de manifestar amor? Intimidar-se diante do outro, sem saber como reagir, mas permanecendo na relação, é uma forma de amar? Voltar a procurar uma relação violenta depois de ter se livrado dela demonstra que aquilo era amor?
Essas são algumas das perguntas que o filme suscita, a partir dos relatos que apresenta. Como se pode entender o amor na presença de alguma forma de violência no contexto amoroso? Claro que “Amor?” não dá respostas, apresenta o que acontece ou como as pessoas envolvidas enxergam o que se passa, ou se passou, com elas. Ou, ainda, se elas entendem alguma coisa daquilo que viveram. Suas emoções transparecem, de alguma forma, mas a perplexidade e, muitas vezes, a impotência, também.
“Amor?” é uma película que dá margem a muitas discussões e ilumina um terreno onde há pouca reflexão correntemente. Por isso a proposta é, sem dúvida, relevante.
A apresentação dos depoimentos selecionados – oito, entre os cinquenta colhidos – não é feita por quem viveu a experiência. Provavelmente, seria algo constrangedor para ela própria e para seus parceiros a exposição da identidade e da figura dos depoentes e a apresentação dos comportamentos dela própria, de seu companheiro ou companheira, ou de ambos. Esconder rosto, colher depoimentos de costas ou distorcer a voz são recursos banais, mas desagradáveis, comuns em cenas de noticiários de TV ou em momentos especiais, e curtos, de algum documentário cinematográfico. Mas como “Amor?” é só esse conjunto de depoimentos se alternando, e cenas ilustrativas, não seria viável tal tipo de procedimento.
O caminho, entretanto, já estava aberto. Eduardo Coutinho, em “Jogo de Cena”, embaralhava depoimento e representação encenada, a ponto de confundir realidade e ficção, ao colocar atrizes interpretando os depoimentos. Ficou evidente que convence tão bem, a ponto de ficar muito difícil distinguir o que é relato vivido da representação ficcional dele.
O diretor João Jardim se valeu desse expediente, ao colocar todos os depoimentos na interpretação de atores e atrizes que procuram encená-los da forma como os sentiram, ou seja, pela empatia com o que foi relatado. Não mimetizando as verdadeiras vítimas, na verdade desconhecidas deles, mas realizando a interpretação dramática, ao construir o personagem daquele texto.
Como os atores escolhidos são excelentes, o resultado foi muito bom. Cada um deles parece mais convincente do que o outro. Julia Lemmertz, Ângelo Antônio, Fabiula Nascimento, Lilia Cabral e os demais dão conta do recado. Mas são figuras conhecidas, que sabemos não terem vivido aquela experiência e que também não estão produzidos para uma trama ficcional. É isso que ajuda a provocar um distanciamento em que se evita o envolvimento emocional excessivo, talvez inevitável diante dos personagens verdadeiros originais. A reflexão surge, então, como consequência. É mais natural pensar no que aquilo significa do que, por exemplo, sentir pena da pessoa.
Ao final da projeção, muitas dúvidas, muitas perguntas, um certo mal-estar e uma certa perplexidade tende a permanecer com o espectador atento. Bom sinal. Algo de relevante fica quando é isso o que acontece.
O diretor João Jardim já havia feito um uso muito interessante de depoimentos marcantes, para tentar entender o ato de ver, ou não ver, o mundo, em “Janela da Alma”, documentário de 2003, codirigido por Walter Carvalho. Ali, eram celebridades a falar da sua relação com o olho, o olhar, a visão. Em “Amor?”, é a violência amorosa o seu foco. São ambos recortes bastante ricos e cheios de nuances de vivências humanas.
domingo, 17 de abril de 2011
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