Antonio Carlos Egypto
CABEÇA A PRÊMIO. Brasil, 2008. Direção: Marco Ricca. Roteiro: Marco Ricca e Felipe Braga. Com Fúlvio Stefanini, Alice Braga, Cássio Gabus Mendes, Eduardo Moscovis, Ana Braga, Otávio Muller e os atores uruguaios Daniel Hendler e Cesar Troncoso. 104 min.
O filme começa mostrando um avião que pousa e o encontro de dois personagens falando espanhol. Aparecem as legendas. Seu papo é amistoso, mas misterioso. Estamos na fronteira? Algo ilícito está subjacente? Não há indicações precisas de nada, onde estamos, em que época, e quem são esses personagens. Um pilota um pequeno avião, mas a que se dedicam?
Fugindo ao esquema clássico, muitos outros personagens e situações aparecerão, mas nada será explicado. Aos poucos, algumas coisas vão se encaixando, a familiaridade de algumas cenas nos faz intuir do que se trata, quem manda e como se resolvem certas coisas. Mas nada jamais será explicado, ou esclarecido. A maioria dos personagens em cena está como nós, sem ter todas as informações de que precisa. No meio de uma trama, que percebemos perigosa, e meio às cegas.
“Cabeça a prêmio” nos deixa em suspense todo o tempo: não sabemos muito bem o que esperar, nada é muito previsível. Sempre restará uma dúvida. E isso vale literalmente até a última cena do filme. Os créditos sobem e a gente percebe que acompanhou uma história, e se envolveu com ela, sem nunca dispor das informações que a revelam. E não precisava mesmo.
Mas como é isso? A rigor, a gente não sabe o que está acontecendo direito, mas entende o que se passa e o drama de cada personagem? É mais ou menos isso. No filme, como na vida, ninguém controla todas as variáveis de nada. Muitas das decisões têm de ser tomadas com poucos dados. Como um personagem que pergunta ao outro: “o que você quer?” e nem por isso obtém uma resposta convincente. Quando a ação finalmente explica algo, não está tudo lá. Alguma coisa continua faltando. E continuará faltando sempre.
Não há o narrador onisciente, que amarra tudo, explica tudo e até poderia dar a “moral” da história. Nada disso. Em princípio, tudo está em aberto, passível de diferentes interpretações, embora haja um fio condutor que não se perde.
Como espectador, a experiência foi ótima. Suspeito de que pessoas que gostam de ter controle sobre as coisas não vão suportar ficar suspensas na trama, pescando as coisas aos poucos. Quem é o que de quem? Que relações eles têm entre si? Que negócio é esse e por que ele está ameaçado? Aonde quer chegar este ou aquele? E por que esse comportamento, agora?
Quem puder controlar e administrar sua ansiedade durante a projeção, vai apreciar “Cabeça a prêmio”, o trabalho de estreia na direção do ator Marco Ricca, de larga experiência no cinema e na TV, além do teatro.
Foi um excelente começo o de Ricca, dirigindo e roteirizando livro de Marçal de Aquino e podendo contar com uma plêiade de atores e atrizes invejável. Ótimos desempenhos, numa trama habilmente construída, fazem de “Cabeça a prêmio” um filme inteligente, muito bom de se ver.
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