quarta-feira, 17 de março de 2010

CRIAÇÃO


Antonio Carlos Egypto



CRIAÇÃO (Creation). Inglaterra, 2009. Direção: Jon Amiel. Com Paul Bettany, Jennifer Connely, Jeremy Northam e Toby Jones. 108 min.


Na abertura do filme “Criação”, diz-se que a evolução das espécies, conceito formulado por Darwin, foi a ideia mais original que já existiu. Não me lembro exatamente das palavras utilizadas, mas o sentido é esse.

Pois bem, não há como discordar. É um conceito tão importante quanto o “inconsciente”, de Freud, ou a “mais-valia”, de Marx. E tanto quanto o deles, revolucionou o pensamento humano e a própria ciência.

No ano passado, comemoramos 200 anos do nascimento de Charles Darwin e 150 anos da publicação de “A Origem das Espécies”, razões de sobra para todo o tipo de homenagens: livros, exposições, filmes. Muito oportunas, por sinal, já que, apesar de decorrido todo esse tempo, a ideia da seleção natural vem sendo questionada por conceitos como o criacionismo e o design inteligente de Deus. Isso acaba por fazer do filme “Criação” um produto extremamente atual, embora se trate de uma história passada em meados do século XIX.

Pesquisador rigoroso e meticuloso, Darwin acabou desenvolvendo uma teoria que surpreendeu a ele mesmo. Assim como Freud, ao descobrir o papel da sexualidade desde a tenra infância, suas descobertas afrontavam os conceitos vigentes na sociedade da época e derrubavam valores morais fortemente estabelecidos e protegidos pela religião.

Em “Criação”, é o período anterior à publicação de “A Origem das Espécies”, fruto de vinte anos de pesquisas, o que se focaliza. As hesitações de Darwin (Paul Bettany) em se contrapor a sua mulher Emma (Jennifer Connely), muito religiosa, como seria de se esperar, ao reverendo Innes (Jeremy Northam), seu amigo, e à igreja anglicana, que o próprio cientista frequentava até então, representam a batalha que haveria de acontecer entre as descobertas científicas e a moral e a religião da época. Entre a ciência e Deus. Ou, pelo menos, contestando princípios fortemente atribuídos a Deus.

Não é lícito questionar a harmonia da natureza, uma criação de Deus, como ele fazia. E como entender o ser humano como fruto de uma evolução de espécies, se ele foi criado à imagem e semelhança de Deus? Deus sabe o que faz e não cabe ao ser humano tentar entender os seus desígnios, está além da nossa capacidade. E quem gosta de saber que descende de algum tipo de macaco?

A coisa era tão nova e revolucionária, que 150 anos depois ainda cabe contestação e movimentos organizados para ensinar conceitos que já deveriam ter sido superados desde aquela época. No mundo contemporâneo, não são mais apresentados apenas como conceitos morais ou religiosos, mas pretendem ter uma roupagem de conhecimento científico.

Por aqui mesmo, temos políticos querendo instituir o criacionismo nas escolas, para se contrapor ao evolucionismo. Ou com o argumento de que caberia aos jovens conhecer as duas correntes, para fazerem as suas próprias escolhas. Como se elas se equivalessem e a gente pudesse julgar o conhecimento científico a partir de nossos valores e interesses e não do rigor de sua metodologia, sempre aberta a todo tipo de experimento ou pesquisa que a conteste ou supere.

“Criação”, ao contrário da ciência de Charles Darwin, não é um filme revolucionário ou inovador. Mas é didático, ao explicitar, ao longo da narrativa, o conflito interno do cientista e suas relações familiares, com destaque para a dor da perda da filha, com quem estabelece contato permanente em sua mente, e que o impulsiona a agir. Por meio de poucos personagens, a trama consegue expor o que estava em jogo na sociedade da época.

Ficaram de fora as viagens e aventuras de Darwin, essenciais para a compreensão de sua teoria. Isso é citado, mas não explorado. Restam as pesquisas com os pombos, realizadas ali mesmo, na propriedade rural onde ele residia. Na minha opinião, o personagem Darwin poderia render muito mais do que isso. Em todo caso, não há nada que desabone “Criação”, a não ser um certo academicismo.

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