terça-feira, 2 de junho de 2009

A PARTIDA



Antonio Carlos Egypto


A PARTIDA (Okuribito). Japão, 2008. Direção: Yojiro Takita. Com: Masahiro Motoki, Ryoko Hirosue e Tsutomi Yamazaki. 131 min.

O filme japonês “A Partida”, vencedor do Oscar de filme estrangeiro em 2008, surpreendeu ao derrotar favoritos de peso, como o israelense “Valsa com Bashir”. Do ponto de vista da técnica cinematográfica, pode-se dizer que o israelense inova mais, ao fazer uma animação não só adulta e seríssima, mas também pelo seu caráter questionador e pacifista, tão importante para o momento atual do Oriente Médio. Meu favorito seria “Entre os muros da escola”, em que a educação como processo se revela por inteiro. (vide postagem anterior).

“A Partida”, no entanto, é uma película notável, sob muitos aspectos. Antes de mais nada, pela forma simples, direta e, ao mesmo tempo, sutil e sensível de tratar do tema da morte. Mais do que tratar, enfrentar o tabu da morte, não apenas como algo simbólico, mas também como algo muito concreto.

Os corpos devem ser cuidados e preparados para serem colocados no caixão e, depois, cremados, como acontece no filme. Esse preparo supõe um ritual cuidadoso e profissional que alguém tem de fazer. E que no Japão, ao que parece, costuma ser realizado na presença dos familiares e amigos. Em todas as classes sociais? Parece que não, pelo que aparece numa cena significativa do final da trama.

O fato é que tal trabalho, justamente por mexer no tabu da morte concreta, pode ser muito mal visto ou mal interpretado. Um músico – violoncelista – com sua habilidade para lidar com o instrumento, poderia ser um desses profissionais da morte? Tocando, limpando, arrumando e maquiando corpos, não tocando seu instrumento nos funerais. O talento artístico aproxima uma coisa da outra, embora a admiração pelo músico seja incondicional, ao passo que a admiração pelo profissional dos funerais só se revela diante da delicadeza dedicada ao sofrimento e à dor da perda, quando se cuida de um corpo que já perdeu a vida. Cenas tocantes e que emocionam, porque colocam a morte concreta diante de todos. Tudo aquilo que a gente não está costumada a ver, nunca viu ou não quer ver.

Trata-se, portanto, de um filme pesado, difícil de assistir? Na realidade, não. A desmistificação e o cuidado com a morte, mostrados em “A Partida”, emocionam e, ao mesmo tempo, nos remetem à reflexão. Mas há espaço até para o humor, principalmente na primeira parte do filme. A conquista de um emprego tão especial como esse, passa por situações engraçadas, na medida em que o não dito, o suposto, o escamoteado, dão margem a interpretações duvidosas e conclusões equivocadas. É nesses momentos bem humorados que o tabu da morte concreta fica mais evidente.

A trama é contada de forma quase linear. O início se explica ao final mas não há grandes saltos, inversões ou mistérios a desvendar, no modo como ela se desenvolve. O mistério está na forma como encaramos a morte e nos relacionamos com ela e está nos medos que nos afastam de sua realidade concreta, na tentativa de negar a única certeza que acompanha a vida, produzindo uma interdição – um tabu.

As cenas do violoncelista em plano geral, destacando-se na natureza, enquanto as imagens da vida do personagem se inserem na sequência, são muito bonitas.

No filme, há espaço para os muitos climas que cercam o trabalho com a morte e com a música. O relacionamento com o pai, tão problemático pelo abandono, e o papel da mãe na formação do personagem principal são mostrados pela intensidade dos sentimentos. A relação com a mulher, tão companheira, revela a afetividade, mas também o distanciamento, em momentos chaves da vida. O clima da volta às origens e o reencontro com figuras que haviam ficado no passado, e que, no entanto, preservaram tradições importantes, é outro elemento relevante da história. E tem, ainda, a relação com a comida, o cheiro, o nojo, as coisas simples da vida que, de um modo ou de outro, importam para todos.

O filme é denso e rico em imagens e assuntos que povoam a vida das pessoas. Especialmente daquelas que se aproximam da morte como algo real e concreto. O que esse trabalho de Yojiro Takita faz, notavelmente, com todos os espectadores.

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