sexta-feira, 12 de setembro de 2008

LINHA DE PASSE

Antonio Carlos Egypto


LINHA DE PASSE.  Brasil, 2008.  Direção: Walter Salles e Daniela Thomas.  Com Sandra Corveloni, Vinicius de Oliveira, Kaique de Jesus Santos, João Baldasserini, José Geraldo Rodrigues.  113 min.

“Linha de passe”, de Walter Salles e Daniela Thomas, é um retrato sem retoques do momento social brasileiro, visto a partir daqueles que têm menos esperanças para alimentar e que, no entanto, encontram meios de sobreviver.

Assim como a maioria das famílias brasileiras, é Cleusa, uma mulher sozinha, quem cuida de sua prole de quatro filhos, cujos pais estão ausentes e não são os mesmos. Ela, empregada doméstica, tem grandes dificuldades de tocar a casa, educar e acompanhar a vida dos filhos. São todos homens e, no entanto, é da presença masculina que ela sente falta, diante da pia entupida que nunca se conserta.

Ela não tem mesmo muita vocação para mãe, mas amplia suas agruras engravidando de novo, de alguém que não aparece na fita. Os outros são pálidas lembranças fotográficas, uma rasgada ao meio, para excluir o gerador do caçula, Reginaldo: aquele que vive perambulando de ônibus, sumindo de casa à procura do pai, ou de um pai.

Os outros filhos de Cleusa são jovens em idade de trabalhar e produzir. Dênis, o mais velho, já pai, é um motoboy e, por meio dele, vivemos tanto as experiências perigosas quanto as transgressoras, que podem fazer parte desse meio, emblemático de uma cidade enorme, agitada e que tem pressa, como São Paulo.

Dinho trabalha num posto de gasolina, mas o que o define como personagem é ser evangélico, um garoto que acolheu Jesus, assim como uma parcela cada vez maior da população brasileira.
O futebol tem sido uma saída para alguns jovens carentes superarem as barreiras da miséria e da falta de perspectivas. Esse é o caminho que vai trilhar Dario, depois de conhecer, e praticar, as safadezas associadas às “peneiras”, que buscam novos talentos para os clubes.

Uma cena pouca trabalhada, mas importante, remete ao mundo das drogas, outra opção para os que estão à margem. “Linha de passe” não se detém nisso, já muito mostrado pelo cinema brasileiro. Como não fixa o seu olhar na favela ou na violência. Tudo está lá, de alguma forma, porque faz parte dessa história. Assim como o outro lado, o das classes média e alta, assaltadas e acuadas.

O que interessa é investigar como viver nessas condições e eventualmente superá-las. O retrato que o filme nos apresenta é muito representativo de uma realidade, detectada por estudos e pesquisas, que se faz humana pela linguagem do cinema. Não há maniqueísmos, nem idealização na composição de nenhum dos personagens, e esse é um dos maiores méritos do filme.

Destaque para o desempenho do elenco, plenamente convincente nos diferentes papéis vividos pelos atores, entre eles, o Dario, de Vinicius de Oliveira, de “Central do Brasil”, o ótimo Reginaldo, do garoto Kaíque de Jesus Santos e, naturalmente, de Sandra Corveloni, que faz Cleusa, merecidamente premiada em Cannes por sua atuação em “Linha de Passe”.

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