terça-feira, 17 de junho de 2025

SÍNDROME DA APATIA

Antonio Carlos Egypto

 


SÍNDROME DA APATIA (Quite Life).  Europa, 2024.  Direção: Alexandros Avranas.  Elenco: Gregory Dobrygin, Chulpan Khamatova, Naomi Lamp, Miroslava Pashutina.  99 min.

 

Se a realidade se apresenta insuportável para pessoas com poucos recursos psíquicos, seja pela imaturidade, seja pela incapacidade de lidar com a situação, o inconsciente pode produzir um apagamento, um rompimento com a realidade.  A pessoa pode entrar em coma, desligando-se do mundo.  É a isso que poderíamos chamar de síndrome da apatia, título dado ao filme do diretor grego Alexandros Avranas, que já nos deu o brilhante “Miss Violence” e recebeu o Leão de Prata no Festival de Veneza 2013. Em “Síndrome da Apatia”, ele e Stavros Pamballis constróem um roteiro ficcional inteiramente baseado numa realidade assustadora e a partir de histórias que se repetem. 

 

No caso específico do filme, trata-se de uma família russa, o casal Sergei (Gregory Dobrygin) e Natalia (Chulpan Khamatova) e duas filhas ainda crianças, Katia (Miroslava Pashutina) e a pré-adolescente Alina (Naomi Lamp), que partiram da Rússia em busca de segurança e para evitar novas agressões em seu país de origem.

 

Buscam asilo na Suécia, aguardando pela sua concessão, seguindo todas as exigências do país de destino, com as filhas adaptadas aos hábitos e inclusive ao idioma.  Entretanto, o visto lhes foi negado, levantando-se dúvidas em relação aos fatos narrados como motivos para o pedido de asilo.

 

Para Katia, foi demais.  Ela desmaia e entra em coma.  De outra maneira, isso também vai se dar com Alina, criando-se, então, uma situação mais do que dramática, trágica.

 


Como os pais lidarão com isso?  Como os serviços suecos lidam com essa síndrome, uma vez que ela já foi identificada em muitos casos por lá, além de outros países?  É por aí que o filme vai caminhar.  A questão migratória dos nossos dias alcança uma gravidade que produz doenças, disfunções de todos os tipos e questões sociais sérias e urgentes. 

 

Ao tratar da síndrome da apatia, Avranas explora a opressão que se esconde na burocracia inflexível e gélida que produz desumanidade e grandes equívocos.  A síndrome é a resultante disso tudo.  Inacreditável, mas também compreensível.  Um desafio a ser encarado, sobretudo pelo continente europeu.  Por sinal, o filme foi produzido por vários países da Europa: França, Alemanha Suécia, Grécia, Estônia e Finlândia, e é falado em russo, sueco e inglês.  Evidência de que o problema é amplo e disseminado, surpreendendo a todos pela extensão que vai assumindo.

 

O filme se vale de um ultrarrealismo, com interpretações sóbrias, contidas, emoções negadas, sufocadas, fotografia em cores pálidas, sobriedade também nos enquadramentos e movimentos de câmera.  Tudo muito enxuto para que se sobressaia o que interessa, a discussão séria do problema.  É um trabalho muito bem feito, competente.  E, além disso, fundamental, indispensável.





 

domingo, 8 de junho de 2025

EM CARTAZ

 

        Antonio Carlos Egypto

 

 


ERNEST COLE: ACHADOS E PERDIDOS (Ernest Cole: Lost and Found),  Estados Unidos, 2024, de Raoul Peck, de “Eu Não Sou Seu Negro” (2016) e “O Jovem Karl Marx” (2017), é um belíssimo documentário.  Aborda o trabalho do fotógrafo da África do Sul, Ernest Cole (1940-1990), que registrou de forma contundente e pela primeira vez os horrores do apartheid.  Consequentemente, amargou um exílio nos Estados Unidos e na Europa e continuou registrando em fotos magníficas a sociedade e, em especial, o racismo. Pelo tempo em que ele passou na Suécia é  redescoberto um vasto material fotográfico guardado surpreendentemente por anos num banco sueco. O filme é todo composto pelas esplêndidas fotos de Cole, as que já estavam em circulação e as que agora vieram à tona.  O cineasta Raoul Peck foi homenageado pela 48ª. Mostra com o Prêmio Humanidade. 106 min.


 


AINDA NÃO É AMANHÃ, Brasil, 2024, da diretora pernambucana Milena Times, focaliza na personagem Janaína (Mayara Santos) a inconveniência de uma gravidez na adolescência quando se está cursando o primeiro ano da Faculdade, com boas notas, que lhe permitem usufruir de uma bolsa parcial e uma função de monitoria remunerada. Sendo a possível solução pelo aborto, ilegal nesse caso, (não envolve as opções legais de risco de vida para a mãe, decorrência de estupro ou anencefalia do feto), ele só será possível com muito esforço e a solidariedade de outras mulheres que vivem ou viveram a mesma situação.  Ou ainda de ONG’s ou grupos de apoio que se solidarizem com o objetivo de obter mudanças na sociedade.  O silêncio e o medo prevalecem, mas saídas são possíveis a baixo risco.  O clima, então, desanuviaria, mostrando que o problema poderia ser muito menor se o tabu do aborto fosse discutido às claras.  O filme é lento e meticuloso ao mostrar a questão, evitando qualquer tipo de violência ou sensacionalismo.  Falha no ritmo e na descrição da personagem central, que não tem defeitos: nem esquecer de usar a camisinha com o parceiro ela esqueceu.  77 min.

 



JUNE E JOHN (June and John), França, 2025, com direção de Luc Besson, falado em inglês, com Matilda Price e Luke Stanton Eddy, é uma fantasia romântica que, apropriadamente, será lançada nos cinemas no dia dos Namorados.  Filmado com celulares, reflete a simplicidade da situação em que foi feito, em tempos de pandemia.  O que não impede que o filme tenha cenas bem realizadas, criativas.  O uso das cores associado às possibilidades e às aberturas dos personagens é bem interessante.  O exagero é muito explorado para trazer aventura e comédia ao improvável e imediato envolvimento amoroso do tedioso e aborrecido John com a exuberante maluca e sem limites June.  Como fantasia, vale, claro.  Mas é só diversão passageira e totalmente despretensiosa.  E à margem da lei, por suposto.  92 min.




 

terça-feira, 3 de junho de 2025

OH, CANADÁ

Antonio Carlos Egypto

 





Oh, Canadá (Oh, Canada), Estados Unidos, Canadá, 2024.  Direção: Paul Schrader.  Elenco: Richard Gere, Jacob Elordi, Uma Thurman, Michael Imperioli.  91 min.

 

“Oh, Canadá”, baseado no livro Foregone, de Russel Banks, aborda as memórias obscuras de um cineasta documentarista no fim de sua vida, já muito abalado fisicamente e envolto em dores.  Leonard Fife, o cineasta, decide gravar um depoimento a um ex-aluno, “contando tudo”, repassando sua vida e disposto a expor a sua verdade, da mesma forma que ele induzia as pessoas que ele filmava em seus documentários a que o fizessem.

 

À medida em que ele discorre sobre a sua história de vida e seu trabalho, ele vai expressando a ideia de que construiu sua reputação de artista com uma carreira progressista, com base em mentiras e meias verdades.  Sentindo-se uma fraude, como costuma acontecer com muita gente, quando se depara com suas contradições, fragilidades, manipulações, fracassos não revelados.

 

Fazia questão em ter sua companheira de muitos anos ao lado, acompanhando todo o depoimento, porque afirmava que nem mesmo ela sabia do que ele tinha para revelar.

 

Histórias, amores, contradições, fugas, dissimulação, são coisas que podem fazer parte da vida de um homem, nem por isso seus feitos precisam ser negados ou desqualificados.  Por exemplo, a ida ao Canadá, fixando-se por lá, tem origem na sua luta contra a guerra do Vietnã e a campanha pelo não alistamento. Também poderia significar uma fuga de tantas questões pessoais não resolvidas, mas, afinal, uma coisa não apaga a outra.

 


A narrativa que o filme desenvolve a partir dessa perspectiva documental em primeira pessoa, no limite da vida, tem valor humanitário, nos ajuda a compreender o humano em sua complexidade.  Como qualquer vida explorada a fundo.

 

Richard Gere vive o moribundo Leo, enquanto Jacob Elordi o encarna na juventude, onde os fatos principais se desenrolam.  Com uma peculiaridade, o filme coloca o ator idoso em cena com as mulheres e as pessoas dos seus 20 anos de idade, em várias sequências, alternando com o Leo jovem.  O que é um achado interessante: faz com que o Leo idoso viva/reviva as situações marcantes de sua vida de modo a reavaliá–las.  Ou mesmo relembrá–las.  E se coloque na distância do observador.

 

O elenco como um todo tem excelente atuação, com os matizes necessários de uma trama que, por definição, se situa nas bordas, nos limites das emoções e do que chamamos de verdade.  Nas certezas das incertezas, poderíamos dizer.

 

O veterano Paul Schrader é diretor de muitos filmes, como “Jardim dos Desejos”, 2022, “Cães Selvagens”, 2016, “Vingança ao Anoitecer”, 2014, e êxitos dos anos 1980, como “Gigolô Americano”, “A Marca da Pantera” e “Mishima”.  Roteirista destacado também de filmes de Martin Scorsese, como “Taxi Driver”, 1976, “Touro Indomável”, 1980, e “A Última Tentação de Cristo”, 1988.  “Oh, Canadá” é sua mais nova contribuição a um cinema que tem peso e valor artístico. 

 

 

O CINEMA BRASILEIRO E O RECONHECIMENTO INTERNACIONAL

 

Os democratas, os cinéfilos e o público em geral vibraram com as vitórias de “Ainda Estou Aqui”, que premiou Fernanda Torres como melhor atriz no Globo de Ouro e o filme de Walter Salles, que levou o Oscar de filme internacional.  Um sucesso que nos orgulha. 

 

“O Último Azul”, dirigido por Gabriel Mascaro, também brilhou no Festival de Berlim, conquistando o Urso de Prata, o segundo prêmio mais importante do evento.

 

Kleber Mendonça Filho e Wagner Moura

Agora “O Agente Secreto”, dirigido por Kleber Mendonça Filho, que concorreu à Palma de Ouro em Cannes, levou dois prêmios importantíssimos, para Kleber, como diretor, e para Wagner Moura, como melhor ator.  E podem vir mais prêmios por aí.  Vamos aguardar.

 

Vale comemorar esse momento notável do nosso cinema, sendo reconhecido internacionalmente e alcançando boas bilheterias por aqui, para vários de seus títulos.