quinta-feira, 6 de junho de 2024

GRANDE SERTÃO

Antonio Carlos Egypto

 


GRANDE SERTÃO.  Brasil, 2024.  Direção: Guel Arraes.  Roteiro: Guel Arraes e Jorge Furtado.  Elenco: Caio Blat, Luísa Arraes, Luís Miranda, Rodrigo Lombardi, Eduardo Sterblitch.  116 min.

 

Encarar a adaptação cinematográfica de uma obra literária do porte de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, implica um desafio imenso.  Trata-se de um livro tão renovador na linguagem, na compreensão de figuras humanas complexas marcadas por sua terra, seus valores, suas crenças, formando um universo próprio, com personagens tão fortes, que é muito fácil se perder pelo caminho.

 

Guel Arraes, o diretor, e Jorge Furtado, dois grandes talentos do cinema brasileiro, fizeram essa adaptação como uma releitura, num roteiro que procurou trazer todo o universo do autor para o momento atual.

 

Guel Arraes ao microfone

Não mais a vida rural, jagunços, cangaceiros, mas bandidos organizados e a polícia, um enfrentamento que produz uma guerra civil não declarada e cujas intenções nem são claramente perceptíveis, entram em seu lugar.  A guerra é outra, mais ampla e generalizada, ocupando as periferias das grandes cidades e muitos outros espaços.  O grande sertão agora é aqui.

 

Lá estão os personagens icônicos de Guimarães Rosa, Riobaldo (Caio Blat), Diadorim (Luísa Arraes), Zé Bebelo (Luís Miranda), Joca Ramiro (Rodrigo Lombardi), Hermógenes (Eduardo Sterblitch) e outros, vivendo em plena guerra urbana dos nossos dias, ainda que sem contextualização específica, de lugar ou época.

 

O amor que nasce desde a meninice entre Riobaldo e Diadorim está lá, crescendo, desconcertando Riobaldo e acabando por levá-lo a associar-se ao banditismo por amor.  E, então, o filme vai caminhando para ser um espetáculo de ação, muito bem filmado, mas bastante violento, também.  Quem narra tudo são as memórias de Riobaldo, quando velho, o que levou Caio Blat a envergar uma barba imensa, preta, não branca.  É da percepção dos seus sentidos e sentimentos que se move a história, que ele vai narrando, comentando.  É aí que a inspiração poética de Rosa se faz presente.  As falas do personagem Riobaldo, magnificamente vivido por Caio Blat ao longo de todo o filme, ganham especial expressão e inovam na narração cinematográfica, a exemplo do livro.

 

A questão de gênero colocada nessa relação de Riobaldo com Diadorim deu margem a um desempenho muito intenso de Luísa Arraes, envergando uma dimensão de força e coragem, habitualmente associada ao lado masculino, que é bem marcante. 

 


Aliás, o elenco todo está afinado.  O policial “do bem”, que ficou sendo o Zé Bebelo de Luís Miranda, é muito convincente, assim como o comandante do grupo de bandidos, vivido por Rodrigo Lombardi, e a incrível caracterização do bandidão tresloucado Hermógenes, vivido por Eduardo Sterblitch, surpreende positivamente.

 

É importante pontuar que bandidos ou policiais “do bem”, assim como bandido que assim se torna por amor a outro, dão uma dimensão que quebra toda a expectativa de bem e mal, mocinho e bandido, em que pese a desgraça dessa guerra urbana atual.  É possível compreender o outro lado das coisas, sejam elas ações baseadas na sobrevivência, na lei, no confronto de interesses ou na paixão? 

 

O filme é, nesse sentido, bastante sintonizado com a obra que lhe deu origem.  É tão complexo quanto e tão poético quanto.  A violência que sobressai na adaptação cinematográfica, a meu ver, foi excessiva.




Um comentário:

  1. Depois dessa apresentação o jeito é assistir. Obrigada.

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