terça-feira, 12 de dezembro de 2023

DOIS FILMES

     Antonio Carlos Egypto

 

 


A SOCIEDADE DA NEVE (La Sociedad de la Nieve), Espanha, 2023.  Direção: J. A. Bayona.  Elenco: Enzo Vogrincic, Simon Hempe, Augustín Pardella, Matias Recalt, Rafael Federman. 145 min.

 

“A Sociedade da Neve” retoma a história do trágico acidente que envolveu o voo 571 da Força Aérea Uruguaia, que levava a seleção uruguaia de rúgbi ao Chile, em 1972.  O acidente ficou famoso na época pelas circunstâncias trágicas que o cercaram e pela sobrevivência quase impossível daqueles jovens, entre outros passageiros, que com a queda do avião foram forçados a viver num dos ambientes mais inóspitos e isolados do mundo, a Cordilheira dos Andes, na neve.  A retomada dessa história real se dá agora, a partir do livro escrito por Pablo Vierci, em 2008, com o mesmo título do filme.  Dos 45 passageiros, somente 29 sobreviveram de imediato.  Ao longo dos meses passados, surpreendentemente, 16 ainda conseguiam sobreviver, até que pudesse ocorrer o resgate.  O que tiveram que fazer para se manterem vivos, quem não sabe do caso, pode imaginar.  O filme narra a sequência do longo período em que esse grupo sobrevivente, que ia perdendo elementos também, se manteve, suas ações, decisões, desespero dentro do que restou do avião e frente às tempestades de gelo e tudo o mais.  O filme explora também o relacionamento que se dá entre eles nessa situação extrema, a sociedade que se estabelece ali.  É o que se denomina de filme catástrofe.  Mas pretendendo-se rigorosamente real.  Um dos sobreviventes verdadeiros até representou o papel de seu próprio pai no filme, no caso, Carlitos Páez.  O que havia para mostrar era também inevitavelmente escandaloso e arrasador.  O filme consegue, no entanto, fazer isso com sutileza, pelos menos, até certo ponto.  Era difícil, reconheço, contar os fatos sem cair no sensacionalismo e sem moralismos.  O resultado pode não ser agradável, claro, mas é palatável.  E coloca questões claramente em discussão, questões obviamente de vida e de morte, o tempo todo.  Sobreviver, em algumas circunstâncias, é um desafio sobre-humano, que tem um alto custo.  Isso o filme explora corretamente, eu diria, até minuciosamente, mas com cuidado.  Do contrário, não daria para aguentar.  Seria um produto de horror puro e simples.  Uma curiosidade: o filme se vale de um narrador, um dos personagens, que vai relatando o que se faz e como ele vê e participa dos fatos, seus próprios sentimentos, medos, dúvidas e sua deterioração física.  Ele morre um pouco antes de que o filme termine.  O final, portanto, é necessariamente coletivo.  Uma solução, embora estranha, razoável.  “A Sociedade da Neve” é uma produção Netflix que tem seu lançamento nos cinemas agora.

 


ALMAS GÊMEAS (Les Âmes Soeurs), França, 2023. Direção: André Téchiné.  Elenco: Noémie Merlant, Benjamin Voisin, Audrey Dana, André Marcon.  100 min.

 

A narrativa do novo filme de André Téchiné ( de “Rosas Selvagens”, 1994 e “As Testemunhas”, 2007), “Almas Gêmeas”, discute o papel da amnésia na vida de um personagem jovem.  David (Benjamin Voisin), um tenente do exército francês no Mali, é seriamente ferido, mas o que resta lesionado, depois de um duro tratamento e da acolhida emocional da irmã nesse período, é a amnésia.  Que parece resistir por muito tempo.  Ele vive uma nova vida, dispensando o passado, sem querer saber dele, incomodando-se com isso.  Apenas a retomada de algumas habilidades, como nadar e andar de moto, lhe parecem atraentes.  E o dia-a-dia ao lado da irmã, num belo lugar de natureza, um tanto isolado, parece contentá-lo.  Jeanne (Noémie Merlant) demonstra uma dedicação excepcional ao irmão, parecendo ocupar o lugar da mãe que eles não têm.  No entanto, ela se empenha em trazê-lo de volta, incorporando o passado que ele rejeita.  Ela busca um relacionamento mais profundo e verdadeiro, que não pode dispensar a memória.  Sentimentos reprimidos virão à tona, na medida em que os fatos sejam recordados.  Algo que ficou intocado terá de ser encarado.  Os personagens vão se desvelando em cena e é muito fácil para o espectador se envolver na história, não só pelo enigma, mas pela própria questão do que significa a ausência de memória, a negação do passado.  O que somos nós sem identidade, sem passado, ainda que o presente possa parecer suficiente?  Isso vale o filme.  Muito bem conduzido com delicadeza e sutileza, contando com uma atriz e um ator jovens muito talentosos, que valorizam seus personagens e transmitem as nuances de suas vivências de forma muito convincente.  O filme foi exibido no Festival Varilux do Cinema Francês, antes de entrar no circuito comercial.




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