Antonio Carlos Egypto
RETRATOS
FANTASMAS. Brasil, 2023. Direção: Kleber Mendonça Filho. Documentário.
95 min.
“Retratos
Fantasmas” se apresenta como um documentário em primeira pessoa. É isso, sem dúvida. Mas também é bem mais do que isso.
O
cineasta Kleber Mendonça Filho revisita seu passado no centro de Recife, a
partir da casa em que viveu com a família, fruto de uma concepção da mãe e que
foi reformada diversas vezes, surgindo com uma nova cara e novas divisões para
atender a novas demandas e mudanças da família, da cidade e do mundo. O convívio com a casa, com suas imagens,
lembranças e registros históricos já nos remete às mudanças urbanas vividas
pela cidade de Recife. Mas ele avança para sua paixão e métier e vai em busca das salas de cinema do centro
da cidade que marcaram sua vida. Por
meio delas, escreve uma trajetória de amor ao cinema, enquanto registramos com
pesar o que se perdeu nesse tempo, histórico e humano, que remete ao século XX.
Desse
modo, o filme trabalha dimensões de reflexão que dizem respeito ao indivíduo, à
memória, à experiência vivida, mas contemplam a cidade, como referência ao
coletivo que nos molda, tanto quanto o fazem as ligações afetivas primárias. Uma coisa não existe sem a outra, parece nos
dizer Kleber. Tudo se imbrica. Nossos gostos e expressões pessoais refletem
os costumes do tempo, mesmo que a vida pessoal possa ser muito criativa e
transformadora. Revolucionária, às
vezes. Mas somos criaturas do nosso
tempo e nossos sonhos e realizações dialogam com ele, o tempo.
No
desenvolvimento da narrativa de “Retratos Fantasmas”, como o nome já indica,
também aparecem fantasmas, fantasias, aparições, crenças, que se imiscuem e
dialogam com a chamada realidade, aquilo que faz parte da nossa vida de todos
os dias. Kleber incorpora isso à sua
história e memória, o que relativiza a própria ideia de documentário, porque
esse já é o terreno da ficção, embora para alguns essa ficção seja percebida
como tão verdadeira que não se distingue da vida cotidiana.
“Retratos
Fantasmas” é um filme muito bem construído e rico na evocação de estímulos que,
de um modo ou de outro, servem de provocações a todos. Afinal, cada um tem o seu Recife, o seu
contexto, e é aí que vai se mover.
A
cidade de Recife é protagonista do filme na medida em que é o lugar de
acolhida, o porto seguro, o mote da mudança, da paixão e do sonho. O filme tem diferentes camadas de expressão,
à medida em que remove aparências, registra a transformação, pede uma compreensão
mais profunda daquilo que nos cerca, daquilo que está mais perto de nós, e
acaba por nos remeter a questões sociais, políticas e econômicas, que são
inevitáveis e indispensáveis.
Assim,
o documentário pessoal se reveste de uma dimensão maior e muito mais
interessante, que não nega a complexidade e abrangência da vida, de todos e de
cada indivíduo.
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