terça-feira, 12 de setembro de 2023

RETRATOS FANTASMAS

Antonio Carlos Egypto

 


 

RETRATOS FANTASMAS.  Brasil, 2023.  Direção: Kleber Mendonça Filho.  Documentário.  95 min.

 

“Retratos Fantasmas” se apresenta como um documentário em primeira pessoa.  É isso, sem dúvida.  Mas também é bem mais do que isso.

 

O cineasta Kleber Mendonça Filho revisita seu passado no centro de Recife, a partir da casa em que viveu com a família, fruto de uma concepção da mãe e que foi reformada diversas vezes, surgindo com uma nova cara e novas divisões para atender a novas demandas e mudanças da família, da cidade e do mundo.  O convívio com a casa, com suas imagens, lembranças e registros históricos já nos remete às mudanças urbanas vividas pela cidade  de Recife.  Mas ele avança para sua paixão e  métier  e vai em busca das salas de cinema do centro da cidade que marcaram sua vida.  Por meio delas, escreve uma trajetória de amor ao cinema, enquanto registramos com pesar o que se perdeu nesse tempo, histórico e humano, que remete ao século XX.

 

Desse modo, o filme trabalha dimensões de reflexão que dizem respeito ao indivíduo, à memória, à experiência vivida, mas contemplam a cidade, como referência ao coletivo que nos molda, tanto quanto o fazem as ligações afetivas primárias.  Uma coisa não existe sem a outra, parece nos dizer Kleber.  Tudo se imbrica.  Nossos gostos e expressões pessoais refletem os costumes do tempo, mesmo que a vida pessoal possa ser muito criativa e transformadora.  Revolucionária, às vezes.  Mas somos criaturas do nosso tempo e nossos sonhos e realizações dialogam com ele, o tempo.

 

No desenvolvimento da narrativa de “Retratos Fantasmas”, como o nome já indica, também aparecem fantasmas, fantasias, aparições, crenças, que se imiscuem e dialogam com a chamada realidade, aquilo que faz parte da nossa vida de todos os dias.  Kleber incorpora isso à sua história e memória, o que relativiza a própria ideia de documentário, porque esse já é o terreno da ficção, embora para alguns essa ficção seja percebida como tão verdadeira que não se distingue da vida cotidiana.

 


“Retratos Fantasmas” é um filme muito bem construído e rico na evocação de estímulos que, de um modo ou de outro, servem de provocações a todos.  Afinal, cada um tem o seu Recife, o seu contexto, e é aí que vai se mover. 

 

A cidade de Recife é protagonista do filme na medida em que é o lugar de acolhida, o porto seguro, o mote da mudança, da paixão e do sonho.  O filme tem diferentes camadas de expressão, à medida em que remove aparências, registra a transformação, pede uma compreensão mais profunda daquilo que nos cerca, daquilo que está mais perto de nós, e acaba por nos remeter a questões sociais, políticas e econômicas, que são inevitáveis e indispensáveis.

 

Assim, o documentário pessoal se reveste de uma dimensão maior e muito mais interessante, que não nega a complexidade e abrangência da vida, de todos e de cada indivíduo.



 

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