terça-feira, 17 de janeiro de 2023

OS FABELMANS

                            Antonio Carlos Egypto

 

 



OS FABELMANS (The Fabelmans).  Estados Unidos, 2022. Direção: Steven Spielberg.  Elenco: Gabriel LaBelle, Michelle Williams, Paul Dano, Seth Rogen, Mateo Zoryan. 151 min.

 

Em “Os Fabelmans”, o cineasta Steven Spielberg mergulha em suas recordações de infância e adolescência, até os 18 anos de idade, num belo e honesto registro autobiográfico.  Belo, porque tem sequências inspiradas, com enquadramentos magníficos, que combinam drama com leveza e humor, destacando o fazer cinematográfico de uma forma apaixonante e reveladora de pessoas e situações.  Cinema como compreensão da realidade, pessoal e social.  E também como dom, já que a capacidade criativa do menino Sam (Mateo Zoryan, na infância, e Gabriel LaBelle, na adolescência) está lá desde os primórdios, com parcos recursos, que vão se desenvolvendo através do tempo e do domínio da técnica.  Tudo mostrado com simplicidade e com muito amor pela captação e edição das imagens, o que já incluiria até efeitos especiais para dar som aos tiros gravados em encenações com armas de brinquedo.

 

Cinema como meio de expressão, que pode acabar revelando até algo inesperado: um segredo familiar capaz de abalar os alicerces de um convívio pretensamente harmônico.  Ao penetrar nesse segredo e expô-lo, Spielberg encara o conflito e a forma como o menino lida com ele.  Assim como expõe outros problemas da meninice e juventude em que inseguranças, vulnerabilidade ou deficiências, aparecem e são fonte de sofrimento.

 

A questão da identidade judaica também tem seu peso nas relações com as meninas e com outros jovens.  O preconceito se manifesta de forma evidente numa mudança de cidade e de escola.  O talento para captar imagens por meio do cinema aparece, então, como elemento restaurador.  Oportunidade de superar as dificuldades, explorando algo que se pode fazer bem.

 



Embora o cinema tenha essa força restauradora, a vida não é fácil.  É bastante desafiadora, sob todos os pontos de vista.  As decisões são complicadas, o convívio com pai, mãe, irmãs, é acolhedor, mas muitas vezes incômodo, cheio de mentiras e incompreensões.  Exige que se contornem situações, que se suporte a ausência ou a distância dos sentimentos.  Por trabalhar com estas questões que, afinal, formam a vida como ela é, “Os Fabelmans” é um trabalho cinematográfico honesto, que não foge da complexidade da existência, como ela pode ser sentida em qualquer idade.

 

As coisas podem também ser engraçadas, estimulantes, mas, de qualquer modo, exigem esforço.  Viver é cansativo, claro.  E implica muitas concessões.  De todo modo, aquilo que realmente nos move tende a ficar.  No caso de Sam, o cinema é sua fonte de vida, se transformará de hobby em profissão, apesar de momentos de hesitação e desistência.  Algumas coisas podem durar poucos minutos e serem definitivas.  A sequência em que Sam tem a oportunidade de falar com John Ford, um dos maiores diretores de toda a história do cinema, ganha uma grande dimensão pelo toque decisivo que ali aparece e valorizado pela participação especial de David Lynch, outro grande diretor, no papel de Ford.

 



O elenco de “Os Fabelmans” é muito bom.  Tem em Gabriel LaBelle uma atuação que dá bem conta da complexidade da figura do adolescente Sam.  O garoto Mateo Zoryan também convence como o menino Sam.  Michelle Williams (Mitzi), a mãe, explora magnificamente todas as nuances de uma figura viva, intensa, ambígua, acuada, em busca de algo, sempre.  Paul Dano (Burt), o pai, compõe um personagem algo tolhido e distante, mas firme no conhecimento, na aceitação e no afeto.  É também um grande desempenho.  Seth Rogen (Bennie), “o tio”, é expansivo e expressivo em sua caracterização.  Os demais atores e atrizes compõem um belo painel de atuações.

 

John Williams, o compositor notável, responsável pelas trilhas sonoras espetaculares de filmes de Spielberg, oferece, mais uma vez, seu talento ao cinema.

 

De Steven Spielberg não há mais o que falar.  Com uma obra cinematográfica que inclui de “Tubarão” ao “E.T.”, de “A Lista de Schindler” a “O Resgate do Soldado Ryan”, passando pela série de filmes do personagem Indiana Jones, ele já mostrou a todos, cabalmente, do que é capaz.  Pelo que vemos no filme “Os Fabelmans”, do que ele foi capaz desde a infância, ou seja, desde sempre.   



 

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