Antonio Carlos Egypto
OS
FABELMANS (The Fabelmans). Estados Unidos, 2022. Direção: Steven
Spielberg. Elenco: Gabriel LaBelle,
Michelle Williams, Paul Dano, Seth Rogen, Mateo Zoryan. 151 min.
Em “Os
Fabelmans”, o cineasta Steven Spielberg mergulha em suas recordações de
infância e adolescência, até os 18 anos de idade, num belo e honesto registro
autobiográfico. Belo, porque tem
sequências inspiradas, com enquadramentos magníficos, que combinam drama com
leveza e humor, destacando o fazer cinematográfico de uma forma apaixonante e
reveladora de pessoas e situações.
Cinema como compreensão da realidade, pessoal e social. E também como dom, já que a capacidade
criativa do menino Sam (Mateo Zoryan, na infância, e Gabriel LaBelle, na
adolescência) está lá desde os primórdios, com parcos recursos, que vão se
desenvolvendo através do tempo e do domínio da técnica. Tudo mostrado com simplicidade e com muito
amor pela captação e edição das imagens, o que já incluiria até efeitos
especiais para dar som aos tiros gravados em encenações com armas de brinquedo.
Cinema
como meio de expressão, que pode acabar revelando até algo inesperado: um
segredo familiar capaz de abalar os alicerces de um convívio pretensamente
harmônico. Ao penetrar nesse segredo e
expô-lo, Spielberg encara o conflito e a forma como o menino lida com ele. Assim como expõe outros problemas da meninice
e juventude em que inseguranças, vulnerabilidade ou deficiências, aparecem e
são fonte de sofrimento.
A
questão da identidade judaica também tem seu peso nas relações com as meninas e
com outros jovens. O preconceito se
manifesta de forma evidente numa mudança de cidade e de escola. O talento para captar imagens por meio do
cinema aparece, então, como elemento restaurador. Oportunidade de superar as dificuldades,
explorando algo que se pode fazer bem.
Embora
o cinema tenha essa força restauradora, a vida não é fácil. É bastante desafiadora, sob todos os pontos
de vista. As decisões são complicadas, o
convívio com pai, mãe, irmãs, é acolhedor, mas muitas vezes incômodo, cheio de
mentiras e incompreensões. Exige que se
contornem situações, que se suporte a ausência ou a distância dos sentimentos. Por trabalhar com estas questões que, afinal,
formam a vida como ela é, “Os Fabelmans” é um trabalho cinematográfico honesto,
que não foge da complexidade da existência, como ela pode ser sentida em
qualquer idade.
As
coisas podem também ser engraçadas, estimulantes, mas, de qualquer modo, exigem
esforço. Viver é cansativo, claro. E implica muitas concessões. De todo modo, aquilo que realmente nos move
tende a ficar. No caso de Sam, o cinema
é sua fonte de vida, se transformará de hobby
em profissão, apesar de momentos de hesitação e desistência. Algumas coisas podem durar poucos minutos e
serem definitivas. A sequência em que
Sam tem a oportunidade de falar com John Ford, um dos maiores diretores de toda
a história do cinema, ganha uma grande dimensão pelo toque decisivo que ali
aparece e valorizado pela participação especial de David Lynch, outro grande
diretor, no papel de Ford.
O
elenco de “Os Fabelmans” é muito bom.
Tem em Gabriel LaBelle uma atuação que dá bem conta da complexidade da
figura do adolescente Sam. O garoto
Mateo Zoryan também convence como o menino Sam.
Michelle Williams (Mitzi), a mãe, explora magnificamente todas as
nuances de uma figura viva, intensa, ambígua, acuada, em busca de algo,
sempre. Paul Dano (Burt), o pai, compõe
um personagem algo tolhido e distante, mas firme no conhecimento, na aceitação
e no afeto. É também um grande
desempenho. Seth Rogen (Bennie), “o
tio”, é expansivo e expressivo em sua caracterização. Os demais atores e atrizes compõem um belo
painel de atuações.
John
Williams, o compositor notável, responsável pelas trilhas sonoras espetaculares
de filmes de Spielberg, oferece, mais uma vez, seu talento ao cinema.
De
Steven Spielberg não há mais o que falar.
Com uma obra cinematográfica que inclui de “Tubarão” ao “E.T.”, de “A
Lista de Schindler” a “O Resgate do Soldado Ryan”, passando pela série de
filmes do personagem Indiana Jones, ele já mostrou a todos, cabalmente, do que
é capaz. Pelo que vemos no filme “Os
Fabelmans”, do que ele foi capaz desde a infância, ou seja, desde sempre.
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