Antonio Carlos Egypto
Antes de mais nada, é preciso comemorar
a existência da 45ª.edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. A Mostra já nasceu para inovar num mercado
cinematográfico até então muito comprometido com o cinema de Hollywood e de
alguns outros centros, como a França, com pouquíssimo espaço para o cinema
mundial, em especial, o cinema mais artístico, melhor elaborado, ou que fosse
capaz de questionar o mundo. Trazer para
São Paulo um leque de opções dos grandes festivais mundiais, filmes polêmicos,
experimentais ou políticos, sujeitos à forte censura da ditadura militar da
época. Tudo isso a Mostra fez sob o
comando de Leon Cakoff (1948-2011), com destaque para a luta contra a censura,
pela democracia.
Após sua morte, Renata de Almeida, sua
mulher, assumiu o comando da Mostra, que ela então já dividia com Cakoff, e
seguiu editando o mais importante evento de cinema do nosso país e da América
Latina. A Mostra segue sendo, até hoje,
uma atuação artística de resistência.
Agora não temos uma ditadura militar, mas temos um governo que não só
deixa de apoiar como combate a cultura.
Muito difícil. E, para complicar
ainda mais, veio a pandemia, uma cacetada na cabeça de todos nós. Em 2020, a Mostra resistiu mais uma vez e
brilhantemente funcionou toda on line. Com sucesso.
Desta vez, foi preciso encontrar uma
forma híbrida, presencial e on line
ao mesmo tempo. Um desafio. Mais problemas operacionais, custos maiores,
mas a Mostra 45 aconteceu. Parabéns à
Renata e a toda sua equipe, muito dedicada e competente, que fizeram de tudo
para viabilizar o evento, da melhor forma possível.
A seleção de cerca de 260 filmes,
entre eles, mais ou menos metade, também disponibilizada on line, mostrou a abrangência e a qualidade já conhecidas e
valorizadas pelo público consumidor de cultura.
Os filmes, lançados em 2020 ou 2021,
em grande parte, já estavam concluídos ou avançados na produção e edição antes
da pandemia. Não refletem nas suas
narrativas o abalo que o mundo viveu . Alguns já o fizeram, de forma realística
ou simbólica.
O que mais me chamou a atenção nesta
seleção foi o grande número de mulheres cineastas, os temas femininos em
destaque e as fortes protagonistas femininas que ocuparam a cena, exibindo um
talento que tinha mesmo que se evidenciar.
Filmes como “A Noite do Fogo”, “Miruna”, “Olga”, “Aurora”, “Yuni”, “Lua
Azul”, “A Garota e a Aranha”, “Assim como no Céu”, “A Taça Partida”, “Forte
Clarão”, “A Felicidade das Coisas”, entre outros bons filmes exibidos, mostram
isso. Indicam que a conquista do espaço
das mulheres é hoje um fato incontestável e, certamente, será daí para mais.
As mulheres adolescentes, mas os
homens também, se destacaram como protagonistas em muitos filmes. As incertezas do mundo que se abateram sobre
os jovens, da questão ambiental ao estudo e ao emprego, complicadas, e muito,
pela pandemia, talvez expliquem a adolescência como fonte de preocupação da
arte, no momento. Os que lutam para
encontrar seus espaços e serem ouvidos estão representados em filmes como o brasileiro
“Urubus”, dirigido por Cláudio Borrelli, sobre o mundo dos pichadores da cidade
de São Paulo. O filme foi premiado tanto
pela crítica quanto pelo público como o melhor nacional do festival. E merece.
De resto, filmes que por sua
originalidade e profundidade ganharam, a meu ver, destaque, como o turco “O
Compromisso de Hasan” (prêmio da crítica), o iraniano “Um Herói”, o francês
“Bergman Island”, o português “Diários de Otsoga”, o japonês “Roda do Destino”,
o israelense “Ahed’s Knee”, o romeno “Má sorte no sexo – Pornõ Acidental” ou o espanhol “Armugan”, mostraram seus
grandes méritos.
Por último, os documentários que
merecem destaque: o francês “Regresso a Reims”, o alemão “Quem Fomos”, o
estadunidense “Truman & Tennessee – Uma conversa pessoal”, o sueco “O
Garoto Mais Bonito do Mundo”, o holandês “Lidando com a Morte” ou os
portugueses “Visões do Império” e “Amor Fati”.
Tratei de quase todos esses filmes nas
matérias críticas sobre a Mostra 45.
Estão entre os pouco mais de 50 filmes que vi. Uns tantos dentre esses decepcionaram, outros,
não deu para ver. O saldo, como sempre,
é extremamente positivo. Que venha a
Mostra 46, esperando que com a pandemia inteiramente superada. Oxalá!
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