Antonio Carlos
Egypto
120
BATIMENTOS POR MINUTO (120 Battements par Minute). França, 2017. Direção e roteiro: Robin Campillo. Com Nahuel Pérez Biscayart, Arnaud Valois,
Adèle Haenel, Antoine Reinartz. 135 min.
Despontam
os anos 1990 e há quase uma década a descoberta da Aids já produziu mudanças
muito intensas no comportamento e na vida das pessoas. Estigmatizando grupos, como os homossexuais,
bissexuais, prostitutas, dependentes de drogas, hemofílicos, pessoas encarceradas. A sociedade ainda não sabia lidar bem com uma
questão que mexia diretamente com a vida sexual, com valores, comportamentos,
hábitos. Que exigia prioridade e
investimentos do Estado e um grande trabalho educacional, que envolvia,
sobretudo, o combate aos preconceitos e a necessidade de encarar a vida real,
sem tabus. Mais ainda do que isso: era
preciso encarar a morte de frente.
O filme
de Robin Campillo trata desse momento político fundamental, na França, a partir
da atuação de um grupo de ativistas, o Act Up Paris, que reunia soropositivos,
doentes com Aids e colaboradores, em luta por uma prevenção eficaz e tratamento
para os portadores do vírus HIV e para os doentes que acumulavam um número de
mortes trágico. Enfrentar uma sentença
de morte sem que a pesquisa evoluísse o suficiente para gerar esperanças, sem
poder contar com tratamento efetivo e disponibilização dos medicamentos então
existentes – AZT e DDI – e tendo de enfrentar o preconceito social e o descaso
das autoridades, exigia, como ainda exige, que as pessoas se organizassem.
O grupo
retratado, como o filme mostra, partia para ações agressivas para poder ser
ouvido e notado, como jogar tinta vermelha em pessoas e instituições que
estavam sendo questionadas, denotando um desespero e a falta de mecanismos de
diálogo eficazes. A ponto de simbolizar
o rio Sena todo vermelho do sangue que contamina e mata. As sequências finais, que não vou revelar
aqui, são muito fortes e representativas de uma luta radicalizada.
Gente
jovem encarando tanto uma sexualidade que buscava se expressar, apesar da
contaminação, quanto a perspectiva da morte, se organiza politicamente e parte
para o ativismo, tentando ser democrática.
Não é fácil. A urgência acirra os
conflitos, produz dissenção, julgamentos às vezes injustos, competitividade. E excessos.
Mas a vida pulsa, os desejos se manifestam, ainda que não possam ser
duradouros. É de tudo isso que o filme fala,
em personagens emotivamente fortes e impactantes, que fizeram emocionar às
lágrimas o presidente do júri do Festival de Cannes, Pedro Almodóvar. Ele sempre trabalhou com essa temática, mas
num registro diferente, em que a compreensão, a solidariedade e o humor
encontravam guarida e davam um respiro à situação retratada. Esses elementos também estão presentes em “120
Batimentos por Minuto”, mas são minoritários e a luta política se sobrepõe a
tudo.
Chamou-me
a atenção no filme o contexto fortemente opositor entre a organização da
sociedade civil, o governo, os laboratórios e as seguradoras. A realidade brasileira do período foi,
certamente, menos conflitiva e alcançaram-se grandes avanços na prevenção e no
tratamento da Aids, com a disponibilização universal dos medicamentos
alcançando a todos. A ação das ONGs e do Estado resultou em sucesso
no controle da epidemia e as ações educacionais prosperaram, detendo o quadro
apocalíptico que muitos pintavam.
Trabalhei
bastante nessa área de prevenção, naquele período, e posso aquilatar que os
avanços eram reais. Tanto que me
preocupa, hoje, o retrocesso que estamos experimentando, tentando retornar a
valores morais do século XIX, em pleno século XXI. Parece que temos de voltar a proclamar a
necessidade do uso da camisinha, da discussão das relações de gênero e da
diversidade sexual, como se isso fosse uma coisa nova. Será que a sanha por cortes no tamanho do
Estado também vai atingir as políticas de saúde bem sucedidas do Brasil nesse
terreno? É bom que o cinema trate do
assunto com clareza, como fez “120 Batimentos por Minuto”. É hora de avançar, nunca de retroceder.
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