domingo, 27 de dezembro de 2015

PRÊMIO ABRACCINE APONTA O MELHOR DE 2015

      
Antonio Carlos Egypto





A Abraccine (Associação Brasileira dos Críticos de Cinema) elegeu o melhor longa-metragem nacional e o melhor longa internacional do ano de 2015.  Também indicou  o melhor curta-metragem do ano entre os filmes brasileiros exibidos em mostras, festivais e outros eventos.

Na categoria longa-metragem, concorreram todos os 419 filmes exibidos no circuito comercial brasileiro, entre 18 de dezembro de 2014 e 10 de dezembro de 2015.  Os escolhidos resultaram de votação e debate on line de uma centena de críticos espalhados por quase todos os estados brasileiros.  É, portanto, um resultado representativo da avaliação da crítica sobre o que se viu nos cinemas, ao longo do ano, excluídos os filmes exibidos apenas em mostras e festivais.


É preciso lembrar que a Abraccine valoriza os investimentos no avanço da criação cinematográfica, em novas e inovadoras linguagens. Os vencedores são:


O MELHOR LONGA-METRAGEM BRASILEIRO:
QUE HORAS ELA VOLTA? , de Anna Muylaert.

O MELHOR LONGA-METRAGEM ESTRANGEIRO:
ADEUS À LINGUAGEM, de Jean-Luc Godard.

O MELHOR CURTA-METRAGEM:
QUINTAL, de André Novais.

Veja agora as críticas que foram publicadas aqui, no cinema com recheio, dos dois longas premiados:

QUARTA-FEIRA, 19 DE AGOSTO DE 2015


Antonio Carlos Egypto





QUE HORAS ELA VOLTA? Brasil, 2014.  Direção e roteiro: Anna Muylaert.  Com Regina Casé, Camila Márdila, Karine Teles, Lourenço Mutarelli, Michel Joelsas, Helena Albergária.  111 min.

“Que Horas Ela Volta?”, que dá nome ao filme de Anna Muylaert, é a pergunta típica que as crianças fazem, sentindo falta da mãe.  Pergunta que Jéssica (Camila Márdila) desistiu de fazer quando era criança, já que sua mãe Val (Regina Casé) a deixou no nordeste e não voltou.  Dez anos, ou mais, se passaram, ela cresceu e, na hora de fazer vestibular, resolveu vir para São Paulo e reencontrar a mãe.
Val é empregada doméstica numa família paulistana de classe alta, onde mora no quartinho destinado a ela, na casa de Dr. Carlos (Lourenço Mutarelli) e de D. Bárbara (Karine Teles).  E é uma segunda mãe para Fabinho (Michel Joelsas), que ela viu crescer e acompanhou todos os seus passos, por quem nutre afeto genuíno.


Val é feliz à sua maneira.  Tem estabilidade no emprego, está lá há muitos anos.  É considerada quase um membro da família e tudo corre bem, desde que ela não se esqueça de qual é o seu lugar na hierarquia social. Ela não tem dúvidas: empregada não come na mesa dos patrões, não dorme no quarto de hóspedes que está vazio, não nada na piscina da casa.  Isso tudo para sua filha Jéssica não é assim tão claro, nem muito menos natural. E é por aí que o filme vai explorar os conflitos de classe, as noções de humanidade, direitos, justiça, autonomia.  No microcosmos familiar, a realidade social se revela por inteiro.




Regina Casé, no papel de Val, a protagonista da história, é quem dá o tom do filme, o tempo todo.  Ela está absolutamente brilhante, num personagem que parece feito sob medida para ela.  Totalmente convincente e rico de nuances.  Já começou a ganhar prêmios de melhor atriz em festivais, como o de Sundance, e, pelo jeito, muitos outros virão.
Camila Márdila, também premiada em Sundance, tem excelente desempenho como Jéssica e todo o elenco realizou um bom trabalho, entre eles, o escritor e desenhista Lourenço Mutarelli, que faz convincentemente o Dr. Carlos, arquiteto rico e ocioso.
A diretora Anna Muylaert sabe compor ótimas cenas que refletem a realidade dos relacionamentos humanos como eles se dão de fato. No clima, nos comportamentos, nos diálogos e expressões corriqueiras, os personagens que ela filma exprimem humanidade verdadeira.  E, no coloquial, ela consegue abordar questões importantes.




                       
Conheci o trabalho de Anna Muylaert, primeiro, pelo curta “A Origem dos Bebês Segundo Kiki Cavalcanti”, de 1995, que utilizei em capacitações de educadores para o trabalho de orientação sexual na escola, com muito êxito.  Depois vieram os longas “Durval Discos”, de 2001, “É Proibido Fumar”, de 2008, e o telefilme “Para Aceitá-la, Continue na Linha”, que na versão para o cinema virou “Chamada a Cobrar”, de 2012.  São trabalhos que mostram uma carreira consistente e respeitável de uma cineasta do primeiríssimo time do cinema brasileiro.
“Que Horas Ela Volta?” promete ser um sucesso maior do que os outros trabalhos dela.  Já é o filme nacional recente com maior carreira internacional, já foi vendido para 22 países e participou de festivais internacionais de cinema com prêmios de júri e de público, como o que aconteceu no Festival de Berlim 2015.

SÁBADO, 25 DE JULHO DE 2015


Antonio Carlos Egypto





ADEUS À LINGUAGEM (Adieu au Langage).  França, 2013.  Direção e roteiro: Jean-Luc Godard.  Com Héloise Godet, Kamel Abdeli, Richard Chevallier, Zoé Bruneau e o cão Roxy Miéville.  70 min.

Jean-Luc Godard, um dos mais importantes cineastas da França e um dos realizadores da revolução estética da nouvelle vague, é, na verdade, de origem suíça.  É um dos diretores mais inovadores da história do cinema, alguém que sempre procurou renovar a linguagem, experimentar, provocar. 

Desde o início, buscou novas formas de filmar, novos enquadramentos (foi o primeiro a ousar filmar personagens de costas, vistos por meio de suas nucas, filmar pés em primeiro plano, filmar corpos omitindo rostos, etc.), ainda que contasse histórias ou atuasse dentro de um gênero cinematográfico. Aí, a digressão da narrativa, o uso do tempo entrecortado, a originalidade dos personagens e situações, se destacavam


Godard foi, então, se direcionando para um cinema mais diretamente político, reflexivo e questionador, abandonando qualquer convenção narrativa.  Foi um pulo para a negação do chamado cinema comercial.

O cinema de Godard se torna radical, em forma e conteúdo.  Na realidade, sempre foi, mas há um rompimento com os esquemas de produção, distribuição e divulgação.  Consequentemente, com uma rejeição no mercado.  Mas como nada é tão absoluto, Godard, mesmo se dedicando à experimentação, alcança êxitos, não só nos festivais, mas nas salas de cinema mundo afora.  Seu talento é evidente demais para ser ignorado.




Godard pensa o cinema e pensa o mundo, reflete sobre o que vê e nos obriga a olhar para o que precisa ser visto e pensado.  Nunca de forma linear, organizada, com causalidades ou propostas a serem veiculadas.  Não, ele o faz de modo fragmentado, provocador, desorganizador.  Impossível não sair mexido de um filme dele.  Ou irritado, rejeitando aquela aparente confusão mental.  Amando ou odiando, temos de reconhecer sua importância e sua força.

“Adeus à Linguagem”, filme realizado em 2013, quando o cineasta já tinha 83 anos de idade (nasceu em 1930), está sendo lançado agora como o primeiro filme de Godard realizado em 3D, em que ele explora as possibilidades dessa novidade dentro do seu universo peculiar.  É verdade isso.  Mas há um equívoco na afirmação.  Ele já havia realizado um episódio em 3D no filme “3 X 3D”, dividindo a cena com outros cineastas: o inglês Peter Greenaway e o português Edgar Pêra.  Naquela oportunidade, o filme de Godard foi o que menos aproveitou os recursos do 3D, os dois outros diretores se destacaram mais.


Neste primeiro longa, “Adeus à Linguagem”, a história é outra. Godard explorou muito bem a nova possibilidade tecnológica.  Fez um filme altamente sensorial, vigoroso, questionador e, como sempre, levantando uma profusão de temas e questões que tratam do papel do Estado na vida contemporânea, do que resta de função ao conhecimento,  do impasse da literatura, de um mundo que se desintegra em imagens, dos direitos dos animais.  Isso tudo se apresenta enquanto um casal se relaciona e se desentende e um cachorro anda entre eles.

Fica tudo claro?  Absolutamente!  Nem Godard busca qualquer coisa semelhante à clareza.  Mas o filme brilha nas cores, por vezes estouradas, nas ideias jogadas, em que muitas se perdem à nossa mente, na provocação que incorpora a beleza que a tecnologia do 3D pode acentuar.  E até na superposição de algumas imagens, o que embaralha a visão nessa técnica.  O que ele consegue produzir é, paradoxalmente, mais cativante do que vinha fazendo nos últimos tempos.  O octogenário realizador está em grande forma.



Héloise Gadet e Kamel Abdeli no Reserva Cultural

Héloise Godet e Kamel Abdeli, protagonistas do filme, estão no Brasil para o lançamento, já que Godard, obviamente, não faria esse tipo de trabalho.  São ótimos, alegres, desinibidos.  E, em São Paulo, o cine Reserva Cultural inaugura seu equipamento em 3D com “Adeus à Linguagem”, de Jean-Luc Godard, em projeção impecável.




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