terça-feira, 7 de julho de 2015

O SÉTIMO SELO


Antonio Carlos Egypto





O SÉTIMO SELO (Det Sjunde Inseglet).  Suécia, 1957.  Direção e roteiro: Ingmar Bergman.  Com Max Von Sydow, Gunnar Bjornstrand, Bengt Ekerot, Bibi Andersson, Gunnel Lindblom.  96 min.


A morte, única certeza inevitável da nossa vida, causa muito medo e insegurança a todos.  Ingmar Bergman expressava esse medo reconhecendo-o em si como algo muito forte e o associava às vulnerabilidades infantis.  A questão da existência ou não de Deus, que serve para aplacar as ansiedades da morte nos registros religiosos, foi fonte de grandes questionamentos e preocupações ao longo de toda a vida e obra do mestre sueco do cinema.

O grande clássico de Bergman, “O Sétimo Selo”, é uma parábola sobre a morte, situada no mundo medieval.  Um cavaleiro, Antonius Block (Max Von Sydow), retorna das Cruzadas e só vê morte ao seu redor.  A peste dizima a todo instante, as pessoas caem como moscas.  A Inquisição sacrifica as bruxas, que nada mais são do que mulheres que, por sua juventude, beleza, desejo ou sensualidade, merecem literalmente o fogo do inferno.




Antonius não poderá se surpreender quando vir a morte chegar até ele.  E a morte se aproxima de uma forma muito concreta, para buscá-lo.  É quando Bergman materializa a morte (Bengt Ekerot), uma figura de capa preta e semblante tranquilo, sem caveira ou foice.  É possível conversar com ela, argumentar e até negociar um tempo, enquanto se disputa uma partida de xadrez.  Simples e audacioso.

A partida de xadrez em que a morte, naturalmente, sorteia as pedras pretas, constitui-se em uma das mais belas e inesquecíveis sequências da história do cinema. Cada espectador pode, então, conviver cavalheirescamente e dispondo de tempo, durante a projeção do filme, com a morte, seus mistérios e demônios.  Ou seja: é o momento de encarar a inevitabilidade da morte, procurando encontrar-se diante dela e de si mesmo.  Tentar superar o susto da presença da morte, bastante discreta, apesar de incisiva e apavorante.  Não pelo que ela é, mas pelo que ela nos tira.  E pelo grande vazio que se abre, em que a incerteza se impõe.




No momento em que concretiza em imagem a figura da morte, Bergman nos familiariza com ela, nos possibilita não só encará-la, interagir com ela, ser capaz de enfrentá-la, como superar a angústia que ela nos causa.  É possível jogar, mesmo sabendo que, no fim, a gente vai acabar perdendo. Afinal, o que é a vida, senão um eterno jogo com a morte?  Não exatamente um jogo macabro, mas uma experiência fascinante e enriquecedora.

A caracterização da Idade Média, locais, agrupamentos, roupas, comportamentos, é perfeita, em “O Sétimo Selo”.  O filme nos transporta para uma outra realidade.  Mas a intenção de Bergman não era, simplesmente, fazer um filme de época.  Como sempre, ele está em busca do que é essencial, nas questões filosóficas que levanta.  O que  não impede que o filme, realizado em 1956, também reflita o ambiente do pós II Guerra Mundial, encerrada há onze anos, e a Guerra Fria, com a polarização política mundial e com a ameaça de uma hecatombe nuclear.  Intolerâncias e pestes contemporâneas não faltavam para os cidadãos modernos que, como todos, tinham que se entender com a morte.




Em outros momentos da filmografia de Bergman, a morte aparece como muito mais assustadora e, dolorida, como se pode ver em “Gritos e Sussurros” (1973), por exemplo.  A opressão em nome de um Deus está também em grande parte da obra bergmaniana.  De forma muito evidente, em “Fanny e Alexander” (1982), um de seus últimos filmes, com fortes toques autobiográficos.




Quem nunca viu “O Sétimo Selo”, ou quem só conseguiu vê-lo na tela da TV, não pode perder a oportunidade que se apresenta do seu relançamento nos cinemas brasileiros, em julho de 2015.  Uma cópia digital restaurada será exibida, iniciando uma série do catálogo Clássica (Zeta Filmes e FJ Cines), que pretende trazer de volta às telonas filmes indispensáveis da história do cinema.  Em agosto, será relançado “A Doce Vida”, de Fellini (1960), em setembro, “Nosferatu – O Vampiro da Noite”, de Werner Herzog (1978), em outubro, “Mamma Roma”, de Pasolini (1962), em novembro, “Morangos Silvestres”, de Bergman (1957), em dezembro, “Fitzcarraldo”, de Herzog (1982) e, em janeiro de 2016, “8 ½”, de Fellini (1963).  As cidades onde os filmes serão exibidos nos cinemas são: São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Curitiba, Florianópolis, Salvador, Porto Alegre, João Pessoa e Santos.  Uma iniciativa magnífica.  Indispensável, sobretudo para que os mais jovens possam usufruir da magia do grande cinema na tela em que ele merece estar.

  

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