Antonio
Carlos Egypto
O ÚLTIMO POEMA DO RINOCERONTE (Fasle Kargadan). Turquia/Irã,
2012. Direção e roteiro de Bahman
Ghobadi. Com Behrouz Vossoughi, Monica Bellucci, Ylmaz
Erdogan, Caner Cindoruk, Beren Saat. 103
min.
Quem conhece os longas “Tempo de Embebedar Cavalos”,
de 2000, e “Tartarugas Podem Voar”, de 2004, sabe que os trabalhos
cinematográficos de Bahman Ghobadi são esteticamente impecáveis e absolutamente
sedutores.
Ghobadi é um dos mais importantes cineastas
iranianos, faz parte de uma fantástica leva de criadores, como Abbas
Kiarostami, de quem foi assistente, Moshen Makmalbaf, Jafar Panahi, Asghar
Farhadi, entre outros.
O cineasta tem origem curda, uma etnia sem Estado,
mas presente numa ampla região cultural e geográfica que inclui Turquia, Irã,
Iraque, Síria, Azerbaijão. Tem se
dedicado a contar histórias de exclusão e opressão de seu povo, em especial dos
que habitam o Irã.
“O Último Poema do Rinoceronte”, produzido por Martin
Scorsese, baseia-se nos diários do poeta iraniano-curdo Sadegh Kamangar e conta
a história do poeta Sahel e sua esposa Mina, encarcerados sem justificativa
plausível durante a Revolução Islâmica, dos aiatolás, que pôs fim ao regime do
Xá, em 1979.
Ao componente da opressão política, se agrega uma
estranha questão amorosa: um dos motoristas-seguranças do novo regime se
enamorou de Mina e procurou protegê-la, enquanto o poeta Sahel amargaria longa
prisão. Mais do que isso: o poeta foi
declarado oficialmente como morto, tendo até um simulacro de túmulo, mesmo sem
que o corpo tivesse sido mostrado.
O retorno do poeta ao mundo dos vivos, 30 anos
depois, é o centro da filmagem de “O Último Poema do Rinoceronte”, em que
percepções, sentimentos, estranheza e exclusão ocupam a cena, sem preocupação
com a cronologia dos fatos ou explicações de nenhuma ordem. Isso pode dificultar um pouco o entendimento
de um caso desconhecido para nós, mas, por outro lado, dá margem a uma
elaboração estética absolutamente admirável.
O que se vê são maravilhosos e variados
enquadramentos, uso criativo da luz, da água, de fusões de imagens, de belas e
estranhas locações na Turquia. A
estética é tão envolvente que revela, mas quase chega a sufocar, a temática
política, mesmo sendo concebida para ela e se colocado a seu serviço. Cada plano é digno de admiração e as
sequências são brilhantes. Referências a
seus outros filmes também aparecem: há cavalos em close e tartarugas que voam
por aqui, além, é claro, dos rinocerontes do poema. A história vai sendo tecida a partir das
citações poéticas de Sahel, palavras que para ele são salvação e maldição a um
só tempo.
A atriz italiana Monica Bellucci, em belo desempenho,
diz: “Para mim, esse é um dos papéis mais fortes que já fiz. Eu não sou iraniana, mas consigo entender as
mulheres de lá”. O ator Behrouz
Vossoughi deve ter se inspirado em sua própria experiência de ser removido de
sua cultura, fugiu do Irã em 1978 e trabalha para a TV americana,
atualmente. O diretor Bahman Ghobadi,
assim como quase todos os expoentes do cinema iraniano, também teve de se exilar em 2009. Arte e fundamentalismo religioso
definitivamente não combinam.
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