Antonio Carlos Egypto
O ABISMO PRATEADO. Brasil, 2011. Direção: Karim Aïnouz. Com Alessandra Negrini, Thiago Martins,
Gabriela Pereira, Carla Ribas, Alice Borges.
83 min.
Quando você me deixou, meu bem,
Me disse pra ser feliz e passar bem.
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci,
Mas, depois, como era de costume,
Obedeci.
Esses versos fazem parte da canção “Olhos nos Olhos”,
de Chico Buarque, inspiração confessa do diretor cearense Karim Aïnouz para seu
novo trabalho, “O Abismo Prateado”.
A letra da canção começa, como se pode ver acima,
tratando da perda e da desestabilização provocadas por um rompimento inesperado
e unilateral, numa relação amorosa. Quem
partiu foi o homem, quem expressa o sentimento na poesia é a mulher. Ou seja, o chão se abre para uma mulher que
foi abandonada, sem esperar ou estar preparada para isso. Se seguirmos na letra da canção, veremos que
Chico Buarque expressa a virada dessa mulher, sua vingança e controle da
situação. Por exemplo, em frases como
estas: Quero ver como suporta me ver tão
feliz. E que venho até remoçando, me pego cantando,
sem mais nem porquê.
O filme “O Abismo Prateado”, no entanto, retrata a
primeira parte da história: o desespero da perda, o enlouquecimento, a busca do
ser amado, o vagar desencontrado, para só no final vislumbrar a superação. É o abismo o que se mostra na vida de Violeta
(Alessandra Negrini), uma dentista de 40 anos, aparentemente bem casada e
feliz, com um filho adolescente, vivendo em um novo apartamento em
Copacabana. E que recebe a notícia da
separação num recado pelo celular, o que dá margem à experiência dolorosa que é
o assunto do filme.
Um trabalho cinematográfico simples e belo. Desde as primeiras imagens, focalizando o
mar, intenso e revolto, mas admiravelmente sedutor. Até o desenrolar do sofrimento feminino, que
se lê nas expressões faciais e corporais de Alessandra Negrini, nos espaços e
ambientes por onde ela transita, nas pessoas com quem interage. Vivemos o que ela vive, nos perdemos junto
com ela, a perplexidade toma conta de tudo.
Até que algo possa renascer e redirecionar a vida.
Se “Olhos nos Olhos” põe o foco na libertação
feminina, o filme de Karim Aïnouz fica no abismo que a antecede. Sinal de que haveria espaço até para um
segundo filme, inspirado na mesma música.
Esse acabaria sendo uma elegia feminista, como de fato é a belíssima
canção de Chico Buarque.
O cineasta Karim Aïnouz já nos deu filmes muito bons,
como “Madame Satã”, de 2002, “O Céu de Suely”, de 2006, e “Viajo Porque
Preciso, Volto Porque Te Amo”, esse último de 2009, em parceria com Marcelo
Gomes. Foi roteirista de tantos outros
trabalhos importantes, como “Cinema, Aspirinas e Urubus”, de 2004, e “Cidade
Baixa”, de 2005. É um dos grandes nomes
do cinema brasileiro da atualidade. “O
Abismo Prateado” é uma pérola romântica que enriquece ainda mais essa
filmografia.
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