quinta-feira, 25 de abril de 2013

O ABISMO PRATEADO

                                 
Antonio Carlos Egypto




O ABISMO PRATEADOBrasil, 2011.  Direção: Karim Aïnouz.  Com Alessandra Negrini, Thiago Martins, Gabriela Pereira, Carla Ribas, Alice Borges.  83 min.


Quando você me deixou, meu bem,
Me disse pra ser feliz e passar bem.
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci,
Mas, depois, como era de costume,
Obedeci.

Esses versos fazem parte da canção “Olhos nos Olhos”, de Chico Buarque, inspiração confessa do diretor cearense Karim Aïnouz para seu novo trabalho, “O Abismo Prateado”.




A letra da canção começa, como se pode ver acima, tratando da perda e da desestabilização provocadas por um rompimento inesperado e unilateral, numa relação amorosa.  Quem partiu foi o homem, quem expressa o sentimento na poesia é a mulher.  Ou seja, o chão se abre para uma mulher que foi abandonada, sem esperar ou estar preparada para isso.  Se seguirmos na letra da canção, veremos que Chico Buarque expressa a virada dessa mulher, sua vingança e controle da situação.  Por exemplo, em frases como estas: Quero ver como suporta me ver tão feliz.  E que venho até remoçando, me pego cantando, sem mais nem porquê.




O filme “O Abismo Prateado”, no entanto, retrata a primeira parte da história: o desespero da perda, o enlouquecimento, a busca do ser amado, o vagar desencontrado, para só no final vislumbrar a superação.  É o abismo o que se mostra na vida de Violeta (Alessandra Negrini), uma dentista de 40 anos, aparentemente bem casada e feliz, com um filho adolescente, vivendo em um novo apartamento em Copacabana.  E que recebe a notícia da separação num recado pelo celular, o que dá margem à experiência dolorosa que é o assunto do filme. 

Um trabalho cinematográfico simples e belo.  Desde as primeiras imagens, focalizando o mar, intenso e revolto, mas admiravelmente sedutor.  Até o desenrolar do sofrimento feminino, que se lê nas expressões faciais e corporais de Alessandra Negrini, nos espaços e ambientes por onde ela transita, nas pessoas com quem interage.  Vivemos o que ela vive, nos perdemos junto com ela, a perplexidade toma conta de tudo.  Até que algo possa renascer e redirecionar a vida.

Se “Olhos nos Olhos” põe o foco na libertação feminina, o filme de Karim Aïnouz fica no abismo que a antecede.  Sinal de que haveria espaço até para um segundo filme, inspirado na mesma música.  Esse acabaria sendo uma elegia feminista, como de fato é a belíssima canção de Chico Buarque.



O cineasta Karim Aïnouz já nos deu filmes muito bons, como “Madame Satã”, de 2002, “O Céu de Suely”, de 2006, e “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo”, esse último de 2009, em parceria com Marcelo Gomes.  Foi roteirista de tantos outros trabalhos importantes, como “Cinema, Aspirinas e Urubus”, de 2004, e “Cidade Baixa”, de 2005.  É um dos grandes nomes do cinema brasileiro da atualidade.  “O Abismo Prateado” é uma pérola romântica que enriquece ainda mais essa filmografia.



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