Antonio Carlos Egypto
DEPOIS DE LÚCIA (Después de
Lucía).
México, 2012. Direção: Michel
Franco. Com Tessa Ia, Hernán Mendoza,
Gonzalo Vega Sisto, Francisco Rueda, Paloma Cervantes. 103 min.
Roberto (Hernán Mendoza) e
Alejandra (Tessa Ia) são pai e filha, tentando sobreviver “Depois de Lúcia”, ou
seja, após a morte da esposa e mãe, vivendo seu luto. Segundo o diretor Michel Franco, a história
foi inspirada em experiências pessoais dele mesmo: “o que acontece quando, não
aceitando a morte de um ente querido, esquecemos de prestar atenção aos que
ficam. Essa questão me acompanha desde a
infância, quando convivi com alguém muito próximo a mim, que jamais superou o
luto”.
O luto em si mesmo é uma
violência, em casos como o que está mostrado no filme. Recomeçar a vida em outro lugar, com outro
trabalho, outras pessoas, uma nova escola.
Essa violência pode se multiplicar e ir muito além do vazio e da
solidão. E pessoas fragilizadas como
eles podem cometer imprudências, erros banais, que se voltam fortemente contra
eles. Ainda mais nesses tempos em que a
Internet dissemina tudo instantaneamente.
Não sabendo se comunicar a contento, podem não encontrar saídas e viver
cada um por seu lado um drama pesado.
No universo escolar de Alejandra,
o filme mostra a violência psicológica e física que hoje rotulamos como bullying. E podemos perceber a que ponto
alguém acaba se submetendo sem conseguir virar o jogo, pedir ajuda, nada. Quanto aos molestadores adolescentes, sua
crueldade parece não ter nenhum limite.
É inacreditável o que vemos na tela, não porque o diretor goste de
mostrar cenas brutais. Ao contrário, ele
evita se valer de cenas explícitas. Mas
a situação é de tal ordem, que não há o que possa suavizá-la. Como é possível que adolescentes possam nos
passar a ideia de que tudo já está irremediavelmente perdido? O que está acontecendo com o mundo?
Gostaria de destacar que o papel
reservado à escola na trama é dos mais preocupantes. Um colégio que faz testes periódicos em seus
alunos, para detectar o uso de drogas, como a maconha, por exemplo, e chama os
pais para alertá-los e, ainda, promete expulsar os reincidentes, é totalmente
incompetente para detectar o bullying, a violência que acontece entre seus alunos. Conversa com os adolescentes, mas não os
entende, nem ao que se passa sob suas barbas.
Inadmissível!
“Depois de Lúcia”, o vencedor da
mostra Un
Certain Regard em Cannes, 2012, é um filme
mexicano. O país está vivendo uma
espiral de violência por conta, principalmente, do tráfico de drogas, da
atuação policial, da deterioração social que acompanha esses embates e penetra
no tecido social, alterando valores e comportamentos. Mas não é um fenômeno típico mexicano. “Vivemos em uma sociedade atormentada pela
violência”, diz o diretor. Recentes
acontecimentos na Noruega, nos Estados Unidos, dão conta disso. Quem viu o nosso belo filme brasileiro “O Som
ao Redor”, de Kleber Mendonça Filho, tem ali uma radiografia da nossa realidade
quanto ao isso.
Se a violência é a grande chaga
da atualidade (não terá sido sempre assim, de um modo ou de outro?), a crença
na lei e na repressão como vingança, além da penalização de crianças e
adolescentes, não é menos preocupante.
Pior ainda é fazer justiça com as próprias mãos. “Depois de Lúcia” coloca essas questões em
cena, de forma direta e, ao mesmo tempo em que sensibiliza, gera polêmica. Ficamos tão abalados com tudo o que o filme
mostra, que parece que tudo se justifica, no fim das contas. Mas não
é assim. A menos que queiramos alimentar
o mundo com ainda mais violência, de um modo que asfixie de vez o convívio
humano em sociedade.
O retrato que “Depois de Lúcia”
nos traz é sério, competente na abordagem, bem realizado com atores não
profissionais, fiel a uma realidade dolorosa, que precisa ser mostrada. Seu desfecho pode levantar muitos
questionamentos e nos faz pensar que muitas soluções somente agravam o
problema, dando a impressão de que o resolvem.
Vejam o filme, ele é bom, vale a pena, e imaginem o que aconteceria
depois que a narrativa se encerra. Muito
mais tragédia, certamente. Mais violência e vidas perdidas, também. Não é isso?
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