quinta-feira, 21 de março de 2013

DEPOIS DE LÚCIA

                               
Antonio Carlos Egypto

DEPOIS DE LÚCIA (Después de Lucía).  México, 2012.  Direção: Michel Franco.  Com Tessa Ia, Hernán Mendoza, Gonzalo Vega Sisto, Francisco Rueda, Paloma Cervantes.  103 min.

Roberto (Hernán Mendoza) e Alejandra (Tessa Ia) são pai e filha, tentando sobreviver “Depois de Lúcia”, ou seja, após a morte da esposa e mãe, vivendo seu luto.  Segundo o diretor Michel Franco, a história foi inspirada em experiências pessoais dele mesmo: “o que acontece quando, não aceitando a morte de um ente querido, esquecemos de prestar atenção aos que ficam.  Essa questão me acompanha desde a infância, quando convivi com alguém muito próximo a mim, que jamais superou o luto”.
O luto em si mesmo é uma violência, em casos como o que está mostrado no filme.  Recomeçar a vida em outro lugar, com outro trabalho, outras pessoas, uma nova escola.  Essa violência pode se multiplicar e ir muito além do vazio e da solidão.  E pessoas fragilizadas como eles podem cometer imprudências, erros banais, que se voltam fortemente contra eles.  Ainda mais nesses tempos em que a Internet dissemina tudo instantaneamente.  Não sabendo se comunicar a contento, podem não encontrar saídas e viver cada um por seu lado um drama pesado.

No universo escolar de Alejandra, o filme mostra a violência psicológica e física que hoje rotulamos como bullying.  E podemos perceber a que ponto alguém acaba se submetendo sem conseguir virar o jogo, pedir ajuda, nada.  Quanto aos molestadores adolescentes, sua crueldade parece não ter nenhum limite.  É inacreditável o que vemos na tela, não porque o diretor goste de mostrar cenas brutais.  Ao contrário, ele evita se valer de cenas explícitas.  Mas a situação é de tal ordem, que não há o que possa suavizá-la.  Como é possível que adolescentes possam nos passar a ideia de que tudo já está irremediavelmente perdido?  O que está acontecendo com o mundo? 
Gostaria de destacar que o papel reservado à escola na trama é dos mais preocupantes.  Um colégio que faz testes periódicos em seus alunos, para detectar o uso de drogas, como a maconha, por exemplo, e chama os pais para alertá-los e, ainda, promete expulsar os reincidentes, é totalmente incompetente para detectar o bullying, a violência que acontece entre seus alunos.  Conversa com os adolescentes, mas não os entende, nem ao que se passa sob suas barbas.  Inadmissível!

“Depois de Lúcia”, o vencedor da mostra Un Certain Regard em Cannes, 2012, é um filme mexicano.  O país está vivendo uma espiral de violência por conta, principalmente, do tráfico de drogas, da atuação policial, da deterioração social que acompanha esses embates e penetra no tecido social, alterando valores e comportamentos.  Mas não é um fenômeno típico mexicano.  “Vivemos em uma sociedade atormentada pela violência”, diz o diretor.  Recentes acontecimentos na Noruega, nos Estados Unidos, dão conta disso.  Quem viu o nosso belo filme brasileiro “O Som ao Redor”, de Kleber Mendonça Filho, tem ali uma radiografia da nossa realidade quanto ao isso.
Se a violência é a grande chaga da atualidade (não terá sido sempre assim, de um modo ou de outro?), a crença na lei e na repressão como vingança, além da penalização de crianças e adolescentes, não é menos preocupante.  Pior ainda é fazer justiça com as próprias mãos.  “Depois de Lúcia” coloca essas questões em cena, de forma direta e, ao mesmo tempo em que sensibiliza, gera polêmica.  Ficamos tão abalados com tudo o que o filme mostra, que parece que tudo se justifica, no fim das contas.  Mas  não é assim.  A menos que queiramos alimentar o mundo com ainda mais violência, de um modo que asfixie de vez o convívio humano em sociedade.

O retrato que “Depois de Lúcia” nos traz é sério, competente na abordagem, bem realizado com atores não profissionais, fiel a uma realidade dolorosa, que precisa ser mostrada.  Seu desfecho pode levantar muitos questionamentos e nos faz pensar que muitas soluções somente agravam o problema, dando a impressão de que o resolvem.  Vejam o filme, ele é bom, vale a pena, e imaginem o que aconteceria depois que a narrativa se encerra.  Muito mais tragédia, certamente. Mais violência e vidas perdidas, também.  Não é isso?


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