quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN

Antonio Carlos Egypto


PRECISAMOS FALAR SOBRE O KEVIN (We need to talk about Kevin). Reino Unido, 2011. Direção: Lynne Ramsay. Com Tilda Swinton, Ezra Miller, John C. Reilly. 112 min.


Os fatos e situações que os espectadores de “Precisamos falar sobre o Kevin” vão acompanhar serão mostrados pela ótica de Eva (Tilda Swinton, brilhante), a protagonista do filme. Inicialmente, a veremos na guerra do tomate, encharcada de vermelho, depois, veremos que sua casa está pichada com tinta vermelha. E percebemos que algo muito intenso está por vir.

Eva é xingada e maltratada por pessoas da rua ou da vizinhança; ela se vê tensa e séria. Vai ficando claro que algo muito grave deve ter acontecido.

As imagens vão se sucedendo, sem que nada fique muito explicado. Mas uma vida familiar é mostrada: um marido, dois filhos – um jovem e uma menina. Esse jovem é o Kevin, que se verá em muitas etapas de sua evolução, sem necessariamente seguir a ordem cronológica. Como um bebê que berra, um menino soturno e turrão,um adolescente esquisito ,enfim, visto por sua mãe como um peso, um poço de maldade. De que se trata, afinal?

A mise-en-scène da diretora escocesa Lynne Ramsay explora, em frequentes primeiros planos de detalhe, restos de comida, algumas vezes jogados ou amassados, emporcalhando a casa. É evidente que algo de estranho acontece nessa casa e com essa família.


O clima de permanente tensão e dúvida toma conta do filme. Sabemos que as coisas não vão bem. Eva está acuada pelo próprio filho, que ela aparentemente ama, teme e detesta. E que não foi uma escolha sua tê-lo. A maternidade é fortemente posta em questão. Que efeito terá tido isso na criança? Explica os comportamentos hostis de Kevin, que ela vê, contrastando com um jeito mais cordial em relação ao pai?

O filme tem um clima envolvente e estranho, que seduz o espectador. Definitivamente, não estamos diante de uma situação comum e trivial. Se há algo a compreender na história, isso nunca ficará absolutamente claro. Até porque só temos a percepção de Eva e quem nos garante que o que ela percebe ocorre mesmo desse jeito? Ou melhor, inevitavelmente tudo seria visto de forma diferente pelos demais personagens envolvidos nos fatos. Pode ser pura paranoia de Eva. Nisso ficamos, até que fatos concretos, observáveis, se imporão. Ainda assim, como eles se construíram, o que significam e que papel nosso personagem principal jogou em tudo isso é algo a ser explorado.

O filme se baseia num romance best seller de Lionel Shriver, foi escolhido como melhor filme no Festival de Cinema de Londres de 2011, exibido com êxito no Festival do Rio deste ano, e agora começa sua carreira comercial nos cinemas.


É um filme intrigante, provocador, com imagens impactantes. Mas, ao contrário de muitos outros da atualidade, não se alimenta do explícito,do violento ou do meramente chocante. O impacto se dá muito mais pelo estranhamento, pelo inusitado e, apesar da aparência “suja”, nada chega a ser tão nojento como poderia ser se o diretor não escolhesse um caminho mais sutil de expor uma história que envolve grande violência, forte agressividade, hostilidades e maldades. E também rejeição, medo, ansiedade, conflitos abertos ou mantidos à sombra. Por sinal, os conflitos que ficam subentendidos ou sugeridos, são os que sustentam a narrativa e fazem dela uma interessante trama de suspense e terror psicológico, que não perde o pé da realidade dos fatos.

Não se trata de mera fantasia ou de eventos extraordinários descolados do mundo em que vivemos. Não há vampiros, lobisomens ou seres extraterrestres, apelos que já ultrapassaram qualquer limite no cinema comercial contemporâneo. É algo bem mais consistente do que isso. E que não se presta ao mero entretenimento. Deve agradar quem goste de cinema benfeito e tope enfrentar um clima de tensão e estranhamento.

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