quarta-feira, 4 de maio de 2011

REENCONTRANDO A FELICIDADE

Antonio Carlos Egypto

REENCONTRANDO A FELICIDADE (Rabbit Hole). Estados Unidos, 2010. Direção: John Cameron Mitchell. Com Nicole Kidman, Aaron Eckart, Dianne West, Miles Teller, Sandra Oh. 91 min.


“Reencontrando a felicidade” é um dos piores títulos em português que poderiam ser pensados para “Rabbit Hole”. Provavelmente, o buraco do coelho ou a toca do coelho deve ter soado infantil para os distribuidores do filme no Brasil. Ocorre que eles remetem a Alice, de Lewis Carroll, e à entrada num universo desconhecido, onde nunca se fica à vontade ou em paz, tudo parece incomodar, o tempo é um problema e o personagem não se reconhece naquele labirinto em que se enfiou. É disso mesmo que trata o filme. Ele também poderia ter sido batizado de universos paralelos, em alusão a um livro que a personagem principal lê, e a uma história em quadrinhos, que é produzida por outro personagem, um adolescente diretamente envolvido na trama. Eles remetem igualmente a esses universos desconhecidos e desconfortáveis. Universos de perplexidade e dor, em que a questão da felicidade nem se coloca. Trata-se, isso sim, da perda, do luto.

Faz parte do roteiro da vida que os pais morram antes dos filhos. Quando isso não acontece, a dor da perda é muito grande. Tratando-se de um filho pequeno, morto num acidente em que não se pode atribuir culpa a ninguém, a perplexidade e a dor se instalam.

Como viver depois disso? Como conseguir elaborar uma perda assim tão forte e decisiva? O chão se abre e a vida passa a ser um buraco negro, em que a própria identidade vai se desfazendo. Parece não haver reparação possível.

O apelo mais comum é à crença religiosa. Mas Becca (Nicole Kidman), a mãe em luto, é crítica demais para se colocar na condição de uma pessoa ingenuamente conformada com os desígnios de Deus, claramente incompreensíveis nesse caso. Grupos de autoajuda costumam ir por aí. O compartilhar da dor pode ser muito importante, mas nem sempre traz conforto de fato. Quem sabe compartilhar uns cigarros de maconha com alguém na mesma situação possa ajudar? Bem, pelo menos é o que acaba fazendo o pai, Howie (Aaron Eckart).

Ele procura elaborar a sua perda, apegando-se a imagens e objetos do filho morto. Ela, ao contrário, procura apagar tudo isso para sofrer menos. E desencontros como esses irão produzir um distanciamento entre os dois. O sexo, que se liga à reprodução e, eventualmente, poderia substituir o filho perdido, sai de cena, se torna uma impossibilidade. Tudo vai se tornando difícil, cada vez mais complicado.

É da dolorida elaboração do luto que torna a vida inóspita, tensa, ríspida, estranha em todos os sentidos, que trata o filme, baseado num texto denso e forte, oriundo de uma peça teatral. As imagens do filme, com cores frias, e o clima que se instala, mostram com clareza todo esse sentimento e a luta interior que se estabelece, contando com o desempenho notável tanto de Aaron Eckart quanto de Nicole Kidman. Eles dão consistência interpretativa a toda essa dor e aos conflitos intensos de seus personagens.

O diretor não faz do drama uma coisa pesada e insuportável, até dá alguns respiros, mas consegue pôr em imagens a dor e a perplexidade que estão no centro da narrativa e pontuam o confronto do casal enlutado.

John Cameron Mitchell surpreende, num registro bem diferente de seus longas anteriores: “Hedwig, Rock, Amor e Traição” (2001) e “Shortbus” (2006), esse último lançado há pouco tempo no circuito cinematográfico no Brasil. “Hedwig” remetia a uma cantora de rock, de Berlim Oriental, que nasceu homem e teve problemas na operação de mudança de sexo. O papel vivido pelo próprio diretor, também roteirista, é ousado, colorido, com muita música e humor, apesar de amargo. “Shortbus” é um filme sobre sexo, amor, hedonismo – a busca do prazer e a sua perspectiva libertadora. Contém cenas de sexo explícito, num direcionamento pansexual, que, no entanto, se revela insatisfatório para seus próprios personagens. É outro filme ousado, mas que, com tudo isso, consegue ser sutil e questionador. E não descamba para o mau gosto. Mérito inegável do diretor.

Esses dois filmes são produções independentes, de baixo orçamento, diferentes de “Rabbit Hole”, cujo projeto é mais ambicioso e foi oferecido a Cameron Mitchell. Não era originalmente projeto seu. A sensibilidade que ele demonstrou na realização desse filme, porém, foi tão grande que parece criação sua, em todos os sentidos. Talvez porque sua vida pessoal e familiar tenham sido marcadas por essas elaborações de luto, o que pode ter produzido toda essa empatia com a trama filmada. E, é claro, demonstra o talento e a versatilidade do realizador.

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