Antonio Carlos Egypto
O DISCURSO DO REI (The King’s Speech). Inglaterra, 2010. Direção: Tom Hooper. Com Colin Firth, Geoffrey Rush, Helena Bonham Carter, Guy Pearce, Derek Jacobi. 120 min.
A gagueira é um problema que afeta um grande número de pessoas em todos os cantos do globo. E em todas as épocas. Quem não se lembra da história de Demóstenes, fazendo exercícios, falando com pedras na boca? Pode ser algo passageiro, restrito a algum período da vida, como a infância. Mas pode permanecer incomodando por uma vida inteira, se tratamentos não conseguirem resolver o problema.
Distúrbios da fala certamente prejudicam o desempenho das pessoas, em todas as profissões, mais especialmente naquelas em que o contato com o público é essencial. E quando a pessoa dispõe de um poder que, para ser exercido, depende da fala?
Foi o caso de Albert, ou Bertie, como era chamado, o duque de York, que acabaria sendo coroado rei George VI, com a abdicação do irmão mais velho, Eduardo VIII. O rei George VI era casado com Elizabeth, a futura rainha-mãe, e pai da atual detentora do trono britânico: a rainha Elizabeth.
Sabemos que o poder real, no Reino Unido, é, na verdade, um poder de representação e de união dos países que compõem a coroa britânica. O poder de decisão, de fato, cabe aos políticos, eleitos pelo regime parlamentarista. Isso só acentua a importância dos discursos reais, já que é, principalmente por intermédio deles, que se realiza o poder de representação do Estado.
O desafio maior do rei George VI foi enfrentar este problema na comunicação, que se tornaria ainda mais dramático com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939. Ele reinou de 1936 a 1952, um período muito conturbado para a Europa e para todo o mundo. O rádio era uma novidade importante, abrindo novos caminhos para a comunicação de massa. Se Churchill foi a figura maior da Inglaterra, nessa época, o rei também jogava um papel importante.
O filme “O discurso do rei” trata da relação de Bertie, o rei George VI (Colin Firth) com seu terapeuta da fala, o plebeu australiano Lionel Logue (Geoffrey Rush) e da luta do rei para vencer seus problemas com a gagueira, que travava especialmente nos sons “k” e “q”. Imagine isso para quem tem de pronunciar as palavras “king” e “queen”, frequentemente?
Lionel Logue se destacou no papel de terapeuta da fala pelos resultados que foi conseguindo com métodos pouco comuns na época. Juntou sua experiência de ator e contador de histórias com atendimento a soldados que sobreviveram à Primeira Guerra Mundial, com muitos distúrbios desse tipo, para desenvolver um método de tratamento mecânico dos problemas da fala que, no entanto, não podia ignorar os componentes emocionais aí envolvidos: medo, ansiedade e insegurança.
Como pode se estabelecer uma relação terapeuta-paciente entre um plebeu australiano e o próprio rei da Inglaterra? A resposta a isso é o grande achado desse filme. É dessa relação improvável que resulta o êxito do rei em discursos decisivos, num período determinante para os destinos da humanidade, como foi a Segunda Guerra Mundial.
Tal tratamento da gagueira, além de exigir amplo esforço e determinação do rei, também exigia uma relação horizontal entre terapeuta e paciente, sem títulos, mesuras ou protocolos e sem a pompa e circunstância dos castelos da monarquia britânica. Mais ainda: sem poder evitar o constrangimento de entrar no terreno perigoso das relações familiares da realeza e dos medos e hesitações do soberano. Sem adentrar no campo emocional, não há terapia que funcione. O que é especialmente delicado, no caso dos personagens em questão.
O papel da rainha Elizabeth (Helena Bonham Carter) como apoiadora discreta, torcedora e incentivadora teve destacada importância nessa história toda. É desses relacionamentos e de sua consequência para a coletividade, que se alimenta “O discurso do rei”, um tema relevante e que extrapola os fatos que retrata, permitindo inúmeras reflexões que podem remeter a muitos outros lugares e épocas.
É um filme simples e, talvez por isso mesmo, tão eficiente e envolvente. É difícil não se mobilizar com a angústia do rei. Colin Firth se encarrega de nos comunicar tudo o que o personagem sente, com um desempenho notável. Geoffrey Rush faz um Lionel Logue forte, abusado e profissional, com uma firmeza que nos faz crer que sua presença era mesmo indispensável ao lado do rei. E Helena Bonham Carter, outra grande atuação no filme, consegue transmitir a força e ao mesmo tempo a discrição que o papel exige.
O filme tem 12 indicações ao Oscar. Não lhe faltam méritos para isso. Pode ser uma boa aposta para melhor filme. Mas aí é com a Academia de Hollywood.
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