quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

TIO BOONMEE QUE PODE RECORDAR SUAS VIDAS PASSADAS

                   
Antonio Carlos Egypto

TIO BOONMEE QUE PODE RECORDAR SUAS VIDAS PASSADAS (Lung Boonmee Raluek Chat). Tailândia, 2010. Direção: Apichatpong Weerasethakul. Com Thanapat Saisaymar, Jenjira Pongpas, Sakda Kaewbuadee. 113 min.

Apichatpong Weerasethakul é o nome impronunciável de um diretor de cinema que vem se destacando nos principais festivais ao redor do mundo, até conquistar a Palma de Ouro em Cannes, em 2010. E é da Tailândia que vem esse talento.

Quem acompanha mostras e festivais de cinema que escapem ao circuito comercial pode ter visto longas-metragens dele, como “Eternamente Sua”, de 2001, “Mal dos Trópicos”, de 2004, ou “Síndromes e um Século”, de 2006. Ou pode ter visto alguns de seus curtas. Mas pela primeira vez um filme dele pode ser apreciado em sessões regulares de cinema por aqui. É Cannes abrindo portas a novidades asiáticas, em meio à enxurrada de agitação, efeitos especiais e 3D, que vem dando o tom do mercado cinematográfico.

O filme premiado é “Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas”, um produto um tanto inusitado para os nossos padrões e algo difícil de assimilar ou entender, considerando os modos de ser e viver que nos distinguem dos povos orientais e das referências culturais da Tailândia.Provavelmente, quem entender de budismo vai curtir melhor o clima do filme.

Mas todo mundo poderá ver que ali está sendo gestado um cinema inovador e criativo. Um cinema fantástico, capaz de nos remeter ao mais simples do cotidiano, mas em busca de transcendência. E sem qualquer preocupação com o realismo, a forma clássica de narrar histórias ou a continuidade das ações.

Imaginação, sonho, suposição, experimentação, delírio: esses são alguns dos ingredientes do cineasta. Não há, portanto, qualquer necessidade de entender racionalmente o filme. Melhor é mergulhar nele de cabeça e se deixar levar pelas belas imagens, enquadramentos perfeitos, surpresas e “non sense”. A experiência resultará enriquecedora e artisticamente relevante. Mas é preciso se deixar levar por novas formas de usufruir da película e do cinema em geral.

Em todo caso, vamos a uma possível sinopse do filme. Tio Boonmee, outro nome um tanto impronunciável para nós, está à beira da morte, tem insuficiência renal. Decide passar seus últimos dias de vida na floresta que ele ama, ao lado de pessoas que o amam. Bem, pessoas não é bem a palavra. Quem está lá com ele é o fantasma de sua falecida mulher e seu filho, que desapareceu há tempos e volta, em forma animal, uma espécie de macaco. Não os macacos bonitos e animados, que fazem a festa das crianças no zoológico, nem os gorilas ameçadores, do tipo “King Kong”. Até o macaco de Apichatpong é original: preto, estranho, com olhos luminosos.


Nessa floresta, tio Boonmee relembrará suas vidas passadas como homem ou animal, até chegar ao lugar de origem de sua primeira vida. Em outras palavras: tio Boonmee repassa sua existência, recriando figuras que dela fizeram parte ao longo dos tempos, emoldurado por uma floresta misteriosa e acolhedora. A floresta é a casa que aninha, uma espécie de útero, fonte da vida.

Vagar pela floresta traz surpresas. Que tal uma princesa que se relaciona com um peixe? Será uma lenda tailandesa, do tipo da do nosso boto amazônico? Vai saber... De qualquer modo, é uma fábula, como todo o filme. Que, ao contrário do que possa parecer, não vende peixe nenhum, concepções de mundo, crenças esotéricas. Explora possibilidades, fantasias, climas. Estamos no terreno da arte contemplativa, assim como tio Boonmee contempla e recria a sua existência.

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