domingo, 1 de agosto de 2010

MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS


Antonio Carlos Egypto

MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS (Coeurs). França, 2006. Direção: Alain Resnais. Com Sabine Azéma, Lambert Wilson, Laura Morante, Pierre Arditi, Isabelle Carré e André Dussollier. 120 min.

Completa três anos ininterruptos em cartaz, no cine Belas Artes, em São Paulo, o filme de Alain Resnais, “Medos Privados em Lugares Públicos”. Uma sessão diária mantém o interesse de um público que valoriza filmes que tratam de relacionamentos humanos com sensibilidade, inteligência e talento cinematográfico. A chancela do grande diretor certamente é um atestado de qualidade. Mas a esta altura o próprio recorde de permanência em cartaz deve atrair pessoas interessadas em saber qual a razão de tal longevidade.

Segundo André Sturm, da distribuidora Pandora e sócio do Belas Artes, em matéria da Folha de São Paulo de 14 de julho de 2010, o filme não estaria em cartaz se não houvesse público e lembra que na sessão do feriado de 09 de julho em São Paulo havia 40 pessoas na sala. Um filme de arte que alcança esse resultado é mesmo uma façanha.

O título do original francês “Coeurs” (Corações) diz tudo, já que é de emoções, afetividade e busca de um amor, que trata o filme. Mas também de inibições, timidez, vergonha, desconforto, jeitos desajeitados de abordar os outros, enfim, dos medos que embasam a solidão humana.

Numa Paris onde neva o tempo todo, os corações ávidos de amor gelam. Os casacos estão sempre cobertos de branco e os flocos de neve caindo separam as cenas em que os personagens entram e saem, em cuja trama uns acabarão envolvidos com os outros, cada qual vivendo suas próprias frustrações e desventuras. Sofrido, mas profundamente humano.

Um homem e uma mulher convivem diariamente numa imobiliária, interessados um no outro, sem se conhecerem realmente. E quando tentam fazê-lo parece existir uma muralha intransponível. O discurso religioso se sobrepõe ao desejo, formalizando as relações e esfriando o contato. Mas deus e o diabo convivem na mesma fita, são faces de uma única moeda. Os seres humanos são complexos e contraditórios.

O casal que busca apartamento para alugar vive um descompasso pela expectativa dela e paralisia dele, que só encontra saída nas conversas com o barman e na bebida interminável. O barman, por sua vez, cuida de um pai absolutamente intratável, testemunha a busca de parceiros por meio de encontros anônimos, muitos sujeitos a desencontros, e a teia de personagens vai costurando relações humanas marcadas pela solidão. Os diálogos, muitas vezes incompletos, incluem as hesitações dos personagens. É uma forma muito concreta de revelar, por meio do cinema, o que pertence ao mundo interno das pessoas.

O elenco tem excelentes atores e atrizes em performances muito convincentes, marcadas por detalhes e sutilezas de cada uma das personalidades envolvidas na trama. É, sem dúvida, um grande filme de um mestre do cinema, um dos maiores. Basta lembrar de “O Ano Passado em Marienbad” e “Hiroshima, Meu Amor”. Eu destacaria, ainda, “Ervas Daninhas”, de 2009, um registro mais leve, mas não menos profundo do que este “Coeurs”.

Para quem ainda não viu e está em São Paulo, é só conferir numa sessão diária, no Belas Artes, e aumentar ainda mais o recorde de permanência em cartaz do filme. Para quem está fora de São Paulo ou não puder ir ao cinema no horário da sessão, ainda que seja sábado ou domingo, resta o DVD, lançado pela Imagem Filmes. Tive o maior prazer em rever o filme e penso voltar a ele outras vezes, no futuro. É uma obra de arte.

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