Antonio Carlos Egypto
DIREITO DE AMAR (A Single Man). Estados Unidos, 2009. Direção: Tom Ford. Com Colin Firth, Julianne Moore, Mathew Goode e Nicholas Hoult. 101 min.
O que poderia levar um respeitado professor universitário de Los Angeles, com bom padrão de vida, a planejar meticulosamente um suicídio? A perda trágica do ser amado num acidente automobilístico, após 16 anos de vida em comum?
Há outros elementos em jogo. Essa duradoura história de amor que ele viveu foi com um jovem militar, ambos mantendo suas carreiras, na expressão consagrada por Oscar Wilde do “amor que não ousa dizer seu nome”. Tanto é assim, que a família do jovem Jim (Mathew Goode) interdita a presença do professor nas cerimônias fúnebres do amado. Por pouco, ele nem seria informado do acidente fatal, ocorrido em outro estado dos Estados Unidos.
Vivemos o início dos anos 1960, com a revolução sexual já em andamento, após o advento da pílula anticoncepcional, que abriu espaço para a liberdade feminina e abalou estruturas conservadoras, como o sexo direcionado ao casamento monogâmico e eterno. Mas, se a submissão sexual da mulher começa a implodir, a questão do desejo homossexual ainda precisará de muito mais tempo para ser assimilada. O filme mostra, no entanto, que a prostituição masculina homossexual se expressa sem maiores dificuldades.
Quanto ao personagem do jovem aluno Kenny (Nicholas Hoult), que se aproxima do professor Falconer (Colin Firth), ele representará as mudanças que estão a caminho. É impressionante como o jovem consegue captar tudo o que está acontecendo com o professor: ele não põe conceitos ou barreiras que o impeçam de enxergar a realidade do outro. Suas ações são também simples e diretas, não passam por avaliações ou constrangimentos de ordem moral. Já é possível fazer isso. Sinal inequívoco de uma evolução na compreensão dos sentimentos e ações humanos que, na verdade, ainda não conquistamos. Pelo menos, não plenamente.
Mas “Direito de Amar”, ao mostrar a crise do professor Falconer diante de sua perda, remete a quase vinte anos antes, quando a possibilidade dessa compreensão simplesmente não estava inserida no tecido social. Como era de costume, se podia fazer, mas nunca expressar uma sexualidade fora do padrão esperado. As infidelidades conjugais, por exemplo, permaneciam secretas. Gastos com uma segunda família, casas de amantes, filhos fora do casamento, “garçonières” e prostitutas eram a regra.
Famílias homossexuais, incluindo a possibilidade de filhos adotivos, eram algo impensável. Simplesmente não podia existir. Hoje, quando a gente ouve autoridades, como as do Irã, dizerem que não existem homossexuais no país, nós já entendemos muito bem a opressão que os alcança e a farsa que se estabelece quanto ao assunto. Não era muito diferente disso o que se dizia e se praticava em países ocidentais, como os Estados Unidos e o nosso Brasil, algumas décadas atrás. Felizmente, as coisas mudam, moralismos vão sendo superados, e novas possibilidades se estabelecem.
“Direito de Amar” discute o tema com sensibilidade e sem a dramaticidade trágica que tantas vezes acompanha o tema da homossexualidade no cinema. Na trama, a resolução das situações vai se dando de forma às vezes simples, outras vezes, fortuitas, ou simplesmente inesperadas. O que menos funciona é o que se planeja. Qualquer semelhança com a vida real não terá sido mera coincidência.
O filme tem enquadramentos elegantes e faz um uso estético dos primeiríssimos planos (closes) e dos planos-detalhe muito bom. O desempenho dos atores é ótimo. Julianne Moore faz um pequeno papel, com muita competência, que mostra um aspecto importante da vida do personagem central, e Colin Firth se destaca como protagonista, com uma interpretação premiada cheia de nuances e extremamente convincente do personagem George Falconer.
Tom Ford é um famoso designer de moda, que atua como diretor de cinema pela primeira vez. É uma estreia e tanto!
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