terça-feira, 8 de dezembro de 2009

UM LONGA = X CURTAS

Antonio Carlos Egypto


Um longa metragem que se compõe de muitos curtas de conceituados diretores de cinema dos mais diversificados países do mundo: esta é uma fórmula utilizada por vários filmes lançados nos últimos anos.

“11 de Setembro”, por exemplo, reuniu onze diretores importantes do mundo, como Amos Gitai, de Israel; Youssef Chahine, do Egito; Claude Lelouch, da França; Danis Tavonic, da Eslovênia; Ken Loach, da Inglaterra; Alejandro G. Iñarritu, do México; Idrissa Oedragogo, de Burkina Fasso; Mira Nair, da Índia; Shohei Imamura, do Japão; Samira Makhmalbaf, do Irã; e Sean Penn, dos Estados Unidos, para realizar, em onze minutos, filmes sobre os atentados de 11 de setembro de 2001, em Nova York.

O filme, realizado em 2003, é muito interessante de se ver, porque mostra o mundo pensando e vendo à distância aquela tragédia americana. Houve até quem se lembrasse do 11 de setembro chileno, marcado pela queda do presidente Salvador Allende, em 1973. Algumas visões surpreendem, outras são muito criativas. O resultado, embora desigual, como sempre acontece em projetos assim, é compensador.

Experiência semelhante foi realizada por Leon Cakof, organizador da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, quando pediu aos diretores de todo o mundo, que vieram à Mostra de 2003, para que realizassem curtas sobre a cidade de São Paulo, em busca de olhares estrangeiros sobre ela. O resultado é “Bem-vindo a São Paulo”, filme de 2004, que tem a participação de diretores como a portuguesa Maria de Medeiros, o finlandês Mika Kaurismaki, o malaio Tsai Ming-Liang, o alemão Wolfgang Becker, entre outros. E que inclui, ainda, o próprio Leon Cakof, Renata de Almeida, Daniela Thomas e Caetano Veloso, do Brasil. Como são dezoito filmes, a fragmentação é maior e a irregularidade, também. Mas não deixa de ser interessante e curioso conhecer o olhar alheio sobre a nossa querida cidade.

Em 2006, foi a vez de “Paris, te amo”, deliciosa junção de homenagens amorosas à cidade que sempre simbolizou o amor, com direito a críticas ao tradicional mau-humor dos parisienses. Houve espaço, também, para a questão social, mostrando uma trabalhadora que deixa filhos para trás, na periferia da cidade, para poder cuidar dos filhos de endinheirados que vivem na região central de Paris. É o curta de Walter Salles e Daniela Thomas, que merece destaque. Assim como o de Gus Van Saint, o dos irmãos Cohen e o de Gurinder Chadha, entre outros. O conjunto é leve e agradável, apesar da inevitável irregularidade.

Em 2007, para comemorar 60 anos do Festival de Cannes, um time imenso de conceituados diretores de todas as partes fez pequenos curtas sobre a experiência de ver filmes no cinema: “Cada um com seu cinema”. Quase todos os grandes diretores da atualidade marcam presença, dos irmãos Dardenne, David Cronemberg e Manoel de Oliveira a Abbas Kiarostami, Nanni Moretti, Roman Polanski, Zhang Ymou e Theo Angelopoulos, passando por quase todos os que participaram dos filmes anteriores (Walter Salles incluído). São tantos que nem dá para citá-los sem aborrecer o leitor. Claro que há de tudo: episódios criativos, ideias que se perdem, agressividade exagerada, coisas muito engraçadas. E a toda hora muda a cena. Os cinéfilos, certamente, curtem e há sempre algo a apreciar. Aliás, essa é uma constante nesse tipo de filme.

Essas películas já passaram no cinema, mas podem ser encontradas facilmente em DVD. Há dois novos produtos desse gênero nos cinemas.


“Nova York, te amo”, de 2009, retoma a proposta de homenagear a cidade, assim como se fez com Paris. Dessa vez, há menos diretores em ação e também são menos famosos, o que acabou permitindo uma integração melhor dos curtas, contos de amor que se relacionam entre si, de alguma forma. Por outro lado, dessa vez ignora-se totalmente a destruição das Torres Gêmeas no atentado de 11 de setembro de 2001. Uma declaração de amor a Nova York deveria omitir esta marca tão traumática e recente da cidade? Não soa um tanto artificial essa escolha? Foi meramente acidental, não foi uma escolha? Enfim, o filme funciona e é um passatempo agradável, com direito a episódios do turco-alemão Fatih Akin, da indiana Mira Nair, da israelense-americana Natalie Portman, do chinês Jiang Wen, do paquistanês Shekhar Kapur, do japonês Shunji Iwai, do israelense Yvan Attal, além de quatro diretores norte-americanos.

“Tokyo!”, de 2009, embora tenha como mote a capital japonesa, se diferencia um pouco dos produtos anteriores, ao se compor apenas de três histórias, o que dá mais de trinta minutos para cada uma. Ultrapassam, portanto, a metragem de qualquer um dos outros filmes de curtas, se aproximando da média metragem. Lembra os famosos filmes em episódios do grande cinema italiano dos anos 1950 e 1960, seja na expressão clássica do neorrealismo, seja nas comédias populares, cheias de malícia e deliciosamente atraentes. Só que em “Tokyo!” o clima é outro. Os franceses Michel Gondry e Leos Carax e o sul-coreano Bong Joon-Ho buscam ângulos e situações inusitadas para falar de Tóquio.

Gondry começa por nos mostrar ambientes tão minúsculos de moradia que chegam a sufocar as pessoas, quem sabe para acentuar o problema do espaço em megacidades, como Tóquio. Mas acaba contando uma história de um jovem casal de namorados querendo se ajustar, na cidade e na vida, e vai se fixar no ser mutante da namorada, que se transforma periodicamente num convencional objeto doméstico. Mas ninguém pode se surpreender com as estranhezas de Michel Gondry, são sua marca registrada.

Leos Carax, de volta ao cinema depois de um bom tempo, se inspira nos monstros verdes para tratar de uma figura que vive nos esgotos de Tóquio e sai para assustar e agredir as pessoas, não se entende com ninguém, até encontrar um interlocutor. E faz uma parábola do terrorismo urbano, sem esquecer a incomunicabilidade e a diversidade.
O episódio de Bong Joon-Ho trata de um rapaz que é “hikikomori” há dez anos, ou seja, uma pessoa que vive totalmente isolada dentro de sua casa e que não sai jamais. Solidão, isolamento, uma casa que supre necessidades, só complementadas por coisas que chegam do “exterior”, via telefone (poderia ser on line, também), parecem ser signos da contemporaneidade das grandes cidades. Só mesmo a possibilidade de amar para tirar as pessoas de suas casas e, assim mesmo, com grande dificuldade.

Como se vê, é um filme que reflete questões importantes da atualidade. A maior metragem acabou dando maior possibilidade de exploração dos temas. Seja como for, os filmes de longa metragem que se compõem de curtas estão em evidência, sobretudo os que se referem às cidades importantes do globo. Devem vir muitos mais por aí.

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