domingo, 25 de outubro de 2009

À Procura de Eric

Antonio Carlos Egypto

À PROCURA DE ERIC (Looking for Eric). Inglaterra, 2009. Direção: Ken Loach. Com Steve Evets, Eric Cantona, Stephanie Bishop e Gerard Kearns. 116 min.


“À Procura de Eric”, do diretor britânico Ken Loach, foi o filme escolhido para abrir a 33ª. Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Da mostra se espera um panorama atualizado do cinema de todo o mundo, a descoberta de novos talentos, filmes experimentais ou malditos, alternativas independentes ao cinemão comercial e o assim chamado, e já combalido, cinema de autor. E aqui é justamente de cinema autoral que se trata.

Ken Loach tem marca e estilo inconfundíveis, faz um cinema que tem conteúdo e posições claras. Dedica-se às causas libertárias em sintonia com o mundo em que vive e sempre atento aos que estão à margem, os desvalidos, os explorados. Assim como Chico Buarque na música, seu cinema se dedica às pessoas simples, pobres e oprimidas, reconhecendo os determinantes coletivos do sofrimento a que estão sujeitas. Crítico e até mesmo pessimista na análise, professa otimismo na ação e crença na capacidade humana de mudar as coisas.

“À Procura de Eric” tem registro leve e bem-humorado, mas está longe de ser entretenimento sem consequências. O carteiro Eric está numa pior, pelo jeito, há 30 anos, já que não assimilou a perda da mulher, Lily. Na verdade, ele a abandonou por razões que escapam à sua própria compreensão, inscrevem-se no inconsciente.

Vive hoje com seus dois filhos adolescentes numa bagunça que é o resultado da sua incapacidade de educá-los, contê-los, impor qualquer tipo de limite. O que lhe sobra são os amigos de futebol e bar, além do trabalho insosso. Com muito custo, sua filha acaba sendo ponte para retomar as relações com a ex-mulher. E é aí que sua vida é posta à prova, num confronto para o qual não está preparado. Parece o fim do mundo, mas pode não ser. Quem tem amigos, confia neles e na sua solidariedade e age coletivamente, pode encontrar a saída. A solidariedade consciente vence a barbárie. Está de volta o velho e bom Ken Loach de esquerda, lúcido e confiante no poder de fogo das ações coletivas.

Quem não se lembrará do belo “Terra e Liberdade” sobre a guerra civil espanhola, do ponto de vista da esquerda? Ou de “Pão e Rosas” e a luta sindical? De “Ventos da Liberdade”, dos enfrentamentos irlandeses? Mas, sobretudo, de “Meu Nome é Joe”, dos desempregados, sua batalha e da solidariedade que se precisa encontrar?

Ken Loach pode até se equivocar, mas não fica em cima do muro, tem vilões contextualizados e enraizados na história. Se há mal, ele tem origem e interesses a revelar.

Esse filme tem ainda uma bela homenagem ao ex-jogador francês que se destacou no time inglês do Manchester United, Eric Cantona, que atua no filme como ele próprio. Ou seja, o Eric Cantona, internalizado pelo Eric carteiro, o amigo imaginário que ele cria para se permitir enfrentar as adversidades e agir. Um belo papel: o que impulsiona o outro a crescer. A torcida de futebol terá ainda um papel decisivo na história, em direção oposta à que jogam os truculentos “hooligans”, que aprontam nos estádios europeus, especialmente no Reino Unido. Na fita de Loach, os torcedores podem ser simples e iletrados, mas são gente boa, corajosa e amiga. Ken Loach acredita no povo, é claro.

O filme de abertura da 33ª. Mostra Internacional de Cinema já se revelou um dos seus grandes destaques, tenho convicção. Que bom que ainda existem verdadeiros autores no cinema contemporâneo, como Loach, Resnais, Almodóvar, Angelopoulos e alguns mais.

Tatianna Babadobulos


Embora reste apenas uma sessão da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo na segunda-feira, 26, de “À Procura de Eric” (“Looking for Eric”), longa-metragem escolhido para abrir o evento, o espectador não precisa se preocupar, pois a Califórnia Filmes já garantiu a sua estreia a partir de 6 de novembro.

À principio, o espectador pode se confundir sobre qual Eric se está à procura, uma vez que o protagonista (Steve Evets), um carteiro que leva uma vida sem graça em algum lugar da Inglaterra (tem-se essa certeza por conta da direção invertida, do sotaque acentuado), se chama Eric, assim como seu ídolo, o jogador de futebol francês, que ficou famoso por vestir a camisa do Manchester United é Eric Cantona.

Porém, à medida que o filme se avança, é possível compreender o que teremos pela frente: divorciado do primeiro casamento e ainda apaixonado pela ex-esposa, Lily (Stephanie Bishop), Eric atualmente vive com dois adolescentes que dão um trabalhão danado. Além do emprego, Eric ocupa seu tempo se dividindo entre os amigos também fãs de futebol e os encontra no pub, a entidade inglesa onde as pessoas vão tomar cerveja, discutir sobre a partida de futebol, falar dos problemas, ajudar os outros a resolvê-los.

Aos poucos, outros elementos vão aparecendo (inclusive as sensacionais jogadas de Cantona) e mostrando que Eric tem muitos problemas e é sua filha, fruto do relacionamento com Lily (de quem se separou há 30 anos), é que vai reaproximá-lo da amada. Mas não será fácil. Para tanto, Eric terá de enfrentar as suas angústias, seus defeitos, seus erros do passado e encará-los para voltar a ser feliz.

Aliás, é Eric Cantona, vivido pelo próprio ex-jogador, que também é produtor do longa-metragem, quem vai ajudá-lo a sair do buraco. E é com a pergunta: “Qual foi a última vez que você foi feliz” que ele vai se movimentar, fazer corridas para se sentir mais disposto, ajudar o enteado.

Cheio de ditados populares e pronto para pronunciá-los a qualquer momento, Cantona é uma espécie de guru que motiva o outro Eric (e talvez o espectador) a sair da lama, a ir, de fato, em busca do seu verdadeiro eu.

Dirigida pelo inglês Ken Loach (o mesmo de “Ventos da Liberdade”, que foi exibido na Mostra em 2006), a fita apresenta o apreço pelas pessoas, é composta por diálogos bem-construídos que emocionam e com um toque essencial que mistura o bom humor e a ironia capazes de tocar a plateia.

Embora todos esses elementos contribuam para que “À Procura de Eric” seja um grande filme, é o “happy end” que não combina com as produções autorais de Loach. Ainda assim, um dos melhores ultimamente no cinema.

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